Confusões de uma Dominique brasileira numa academia portuguesa

Lembra do texto que te falei que meu nome do meio agora era Recomeço e o sobrenome Confusão? Não? Então leia aqui para entender melhor o “causo” que vou contar agora. Mas se não estiver afim não precisa, basta saber que me mudei para Portugal recentemente.

Qual é a primeira coisa que fazemos quando chegamos a um novo país?

Depois de procurar onde morar, mobiliar, ver plano de celular, TV, luz, ligar o gás, aprender a pegar transporte público, arrumar os armários, a cozinha, esperar chegar os eletrodomésticos…… ufa! A primeira coisa que se faz é entrar para uma academia!! Afinal de contas meu lema continua sendo “Mens sana in corpore sano” .

Além do que a academia pode ser um ótimo lugar para fazer amigos. Poderia, se eu não tivesse chegado chegando.

Sinceramente, eu acho que não foi tão grave o que aconteceu. Diga-me você a sua opinião.

Fui visitar 3 academias, todas perto o suficiente de minha casa para que eu fosse a pé.

No que diz respeito à malhação, sou exigente. Afinal, sou brasileira e nasci tendo que colocar biquini. Isso não é para qualquer povo não minha gente. É mais pressão do que torre de controle de aeroporto.

De cara descartei uma delas por ser ao lado de uma famosa doceria local. O quê???? Pra que passar por essa tentação? Ainda mais depois de me matar numa aula e, me conhecendo, achar que posso e devo. Nananinanão.

A academia escolhida

Fiz uma investigação minuciosa dos espaços de cada uma delas. Salas, ventilação, vestiários, armários, banheiros, chuveiros, higiene. Acabei por gostar mais da Fuerza Fitness, que era bem equipada e moderninha.

Tenho certeza de que os proprietários ficaram muito honrados com minha escolha, pois depois do detalhado questionário que enviei antes de assinar o contrato, perceberam que sou uma cliente muito rigorosa.

Lá vou eu para minha primeira aula de spinning. Todo primeiro dia dá um friozinho na barriga, não dá? Seja da aula no pré primário, na universidade, na academia ou na aula de tricô.

Quem vamos encontrar? Como seremos recebidas? Será que os outros estão em um nível melhor que o meu? Vou passar vergonha?

Fui guardar meu casaco e minha bolsa no vestiário, resolvi fazer um pipizinho básico just in case e lá fui eu.

A academia estava lotada provavelmente porque era o horário das 7 da noite, e a aula de spinning era das mais concorridas. Apresentei-me ao professor, um espanhol bem gato aliás, e fui pra minha bike.

– “Empecemos … Fuerza … uno dos tres cuatro….”

Ahhh, por isso o nome da academia! Deveriam ser todos Espanhóis.

De cara percebi que a turma era boa e entrosada, além de todos estarem obviamente muito mais bem preparados que eu. Resolvi que sairia de lá carregada, mas terminaria aquela aula. Foco, Foco, Foco!! Concentração.

Ahhh.. Piada.. Deu 20 minutos desci da bike amaldiçoando todos os ibéricos, inclusive o presunto e o bacalhau (que aliás é da Noruega).

Tomando água do lado de fora da sala, ainda ofegante e com a camiseta molhada, reparei no alto-falante da academia. Já era a terceira ou quarta vez que chamavam a Maria Ipi.

Pára! Pára!

Será que por alguma acaso essa seria eu? Nunca te contei que minha mãe muito religiosa, enfiou um Maria no meu nome né? Não… Mas por que contaria se nem eu me lembro dele.

Sim… sim… Sou Maria Dominique Hip. Daí o Mara Ipi, uma vez aque o espanhol provavelmente e logicamente não pronunciou o H do meu inglês Hip.

Afff, dá um desconto, vai. Eu estava tonta do exercício e Maria Ipi para mim era um outro ser..

O espanhol no altofalante já pedia em tom de súplica que a Maria Ipi fosse ao vestiário urgente.

Lá fui eu, confesso que bem curiosa e quando entrei logo vi uma rodinha de pessoas em volta do meu armário. No centro estava uma mulher enrolada na toalha, muito vermelha, possivelmente de raiva, gritando com alguém.

Fui chegando de mansinho, quase que na ponta do pé. Queria saber o que estava acontecendo antes de me apresentar, mas não rolou. Todo mundo me conhecia. Lembra da minha pesquisa minuciosa, quase investigativa? Pois então, não havia quem na academia não conhecesse o tal questionário da brasileira “exigente”.

Todos viraram-se para mim e a mulher enrolada na toalha falava num idioma que eu não entendia. Na verdade gritava. Olhei confusa para os funcionários que tentavam acalmá-la.

Resolvendo a confusão na academia

– Maria Ipi?

– Sim, mas todos me chamam de Dominique Hip – não, não era hora de ser engraçadinha.

– Este é seu armário? – Perguntou o espanhol apontando para um armário com a porta escancarada.

Olho seu interior e vejo minha bolsa e meu casaco. Ué… Quem foi que abriu meu armário?

Dominiqueeeeeee, Hellooo! O excesso de oxigenação do spinning queimou neurônio? Que parte eu não tinha entendido?

Quando voltei de meu pipi, com o cadeado na mão, tranquei o armário ao lado, e adivinhe? Era o armário daquela gringa.

Comecei a pedir desculpas, apesar de ela continuar gritando, só que agora eu estranhamente entendia o que ela falava.

Gente, ela não era gringa! Era portuguesa, da gema, mas estava tão nervosa e falando tão rápido que aos meus ouvidos destreinados pareceu-me sânscrito. Disse que estava atrasadíssima por minha causa, que chegaria atrasada para reunião que aconteceria a 30 km dali mesmo que pegasse um Uber.

– Arrume-se e me espere na porta. Que horas é sua reunião? Daqui 30 minutos? Você chegará.

A aula de spinning foi pinto perto do pique que dei até meu carro.

Ela já estava na porta quando passei, entrou no carro, colocou o cinto. Vi que estava com a maquiagem na mão… Ahhhh, se ela achava que conseguiria se maquiar naquele carro, ela não conhecia meus dotes de direção defensiva.

E Lá fui eu, costurando, furando farol, fazendo absolutamente tudo errado. Imagino que ela deva ter se arrependido amargamente de ter entrado em meu bólido, mas não seria eu a culpada por ela perder aquela reunião.

Chegamos! Chegamos a tempo da ex-gringa ainda passar no banheiro para se maquiar. Foi tanto estresse que acabei nem perguntando o nome dela.

Fiquei uma semana sem aparecer na academia na esperança de que esquecessem de mim, da chave, do episódio, da minha falta de forma física. Enfim, apagassem aquele dia do calendário de todas as dietas e treinos da Fuerza.

Entretanto ao abrir a porta, escuto em alto e bom som um:

— Maria Ipiiiiiii!

Todos se viraram para minha triunfal entrada.

— Maria Ipi, que bom que voltou, a Susana deixou aqui uma nota para você.

— Susana?

No mesmo momento que perguntei me arrependi, posto que só poderia ser a ex-gringa e para explicar quem era Susana, o espanhol contaria toda a história novamente de maneira que os presentes que provavelmente não sabiam de meu pequeno vexame, passariam a sabê-lo.

E assim ele o fez, com uma riqueza de detalhes impressionante, e num tom de voz que deixava claro o prazer que estava tendo em me fazer rememorar o incidente.

Entregou-me o bilhete de Susana.

“Dominique,

Devo dizer que não tivemos um começo alvissareiro. Poderia bem dizer que só podia ser brasileira, mas acho que isso poderia soar preconceituoso. Entretanto, você ter tido a clareza de tentar fazer com que seu erro não me prejudicasse, correndo riscos e levando multas, sim, porque você as levou, tudo para ajudar uma estranha, também poderia bem dizer ser coisa de brasileira. Então, não vou dar nome aos bois nem a países… Quero apenas agradecer seu gesto e sua generosidade. E pensando bem, tivemos o melhor começo que duas amigas podem ter. Vamos tomar um café?”

Dominique

Nasceu em 1964. Ela tem 55 anos, mas em alguns posts terá 50, 56, 48, 45. Sabe porque? Por que Dominique representa toda uma geração de mulheres. Ela existe para dar vida e voz às experiências, alegrias, dores, e desejos de quem até pouco tempo atrás era invisível. Mas NÓS estamos aqui e temos muito o que compartilhar. Acompanhe!

5 Comentários
  1. Parabéns por já chegar ao novo país e dirigir e poder estacionar perto de sua academia. Que sorte! O resto do acontecido, foi detalhe.

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