Qual é seu preço? Caro é aquilo que não vale.

Não estava exatamente apaixonada. Interessada era a palavra que definia melhor o sentimento de Dominique por Cassio. Teve outros relacionamentos desde sua separação, 10 anos antes. Nenhum deles traumático, no entanto, alguns foram complicados o suficiente para lhe dar experiência e sabedoria no quesito . 

Cassio despertava em Dominique curiosidade e aquela vontade de encontrar mais uma vez. Era, sem dúvida, um homem interessante. Já passado dos 50, talvez bem próximo dos 60, estava física e mentalmente em forma. Não que fosse um Adonis, até porque nessa idade, raramente homens o são, mas era atraente e exalava masculinidade. Além disso, sua perspicácia aliada a seu bom humor, tornavam-no um papo divertido.

Em comum tinham a liberdade, tanto financeira quanto familiar, já que eram profissionais bem sucedidos, separados, com filhos criados e independentes.

Conheceram-se na casa de amigos um ano antes, e saiam com certa frequência, mas sem qualquer tipo de comprometimento. Iam a bares e restaurantes descolados, eventualmente a algum show ou exposição e invariavelmente terminavam na cama de um ou de outro. E era bom, muito bom.

Foi jantando naquele restaurante de cozinha contemporânea, daquele chef meio metido, já na segunda garrafa de vinho que surgiu o assunto.

— Todo mundo tem seu preço – falou Cassio.

— Até concordo, mas a que você se refere?

— A tudo. Refiro-me a absolutamente tudo. Seja na política, na empresa, vendendo segredos industriais, pessoais, ou o próprio corpinho, uma hora chegam no nosso valor. Pode ser que tenham pessoas que se vendam caro, mas no final é só chegar no número certo.

— Hummm – murmurou Dominique pensativa- Talvez, mas e quando dinheiro não é mais um atrativo? Você acha que Bill Gates teria um preço?

— Mas é claro! Sempre teve e continua tendo. Não se iluda com seus bilhões, muito menos com a fundação da Melinda. Obviamente não serão alguns pares de Dólares que o corromperão, se é que essa é a palavra, entretanto, sempre há algo que ele ainda deseje, ou que ele preze demais a ponto de não querer perder.

— A troco do que, então, Mr Gates aviltaria sua consciência?

— Querida Dominique, você já é bem grandinha para saber que o que move o mundo é dinheiro, poder e sexo, não necessariamente nessa ordem

Todo mundo tem seu preço – complementou Cassio de maneira enfática.

— Boa Cassio, então eu te pergunto o que te move nesse momento? E qual seria o seu preço?

–Ahh, não é dessa forma que se chega no valor de uma pessoa. Faça uma pergunta mais específica, porque senão é impossível até de devanear e mergulhar em meus íntimos desejos e pecados.

-Não sei se entendi. Como assim? Que tipo de pergunta, Cassio?

— Deixa eu pensar…. O melhor jeito de explicar é te fazer uma proposta. Mas não se ofenda, ok? Estamos em ambiente controlado, com teor alcoólico elevado e é só um exercício de retórica, quem sabe de luxúria.

— Querido, fique tranquilo, pois como bem sabe, sou mulher criada.

-Dominique, por quanto você toparia fazer sexo? Qual o valor em dinheiro, que te levaria a transar com alguém?

-Tipo aquele filme com a Demi More? Como se chama mesmo? Ah, Proposta Indecente?

-Mais ou menos, porque no caso, você não é casada e seus dilemas morais, se é que os tem, devem ser de outra ordem.

Dominique sorriu, e disse que precisaria refletir , pois de bate-pronto não conseguia pensar em nada.

A conversa seguiu animada, e a terceira garrafa de vinho foi apenas uma boa desculpa para grandes inconfidências e ousadias mútuas.

Já no cafézinho e no clima para o que viria, Cassio retomou o assunto.

-Vamos lá Dominique, sem pudores, me diga, por que valor entregaria esse corpinho lindo?

-Você o tem de graça. Sempre. Com muito prazer.

— Eu sei, eu sei..Ah Dominique, entra na onda. Digamos que você precise ajudar um filho, ou sei lá o que te motivaria.

Dominique ficou séria por uns instantes, pensativa, e logo sorriu.

— Cem mil, Cassio. 1 zero zero zero zero zero.

— Fechado. Eu pago seu preço.

Dominique sorriu olhando fixamente nos olhos de Cassio, e quando percebeu que ele se mantinha sério, aguardando uma resposta, estourou na gargalhada.

— Não estou brincando Dominique, quero você e pagarei por isso.

— Como faço para levar uma coisa dessas a sério? Não quero seu dinheiro, não preciso dele

— Algo a motivou quando fez seu valor. Pense nisso, entre no personagem. Vamos experimentar algo diferente ma cherie.

Depois de alguns segundos de hesitação, Dominique estendeu a mão para Cassio dizendo:

— Negócio fechado. Temos um acordo. Escolha dia, lugar e eu estarei lá, pronta para servi-lo e para satisfazer seus desejos, mas já aviso que só aceito meu dinheiro em cash.

— Sem problema, você o terá em notas conforme deseja, por isso, faça por merecer seu pagamento. Não espero nada menos do que seu melhor como profissional para essa noite.

— Quando?

— Semana que vem, quarta-feira, 18h30, no meu escritório.

— No seu escritório, Cassio? No nosso acordo estava incluído plateia?

— Isso é problema meu Dominique. Preocupe se com sua parte.

Naquela noite, Dominique disse que não iria para casa dele. Pediu para que a deixasse em casa despedindo-se com um singelo beijinho no rosto e diante de toda estranheza de Cassio disse.

-Mon Cher, se transarmos agora, podemos tirar o brilho ou até mesmo o suspense de quarta-feria. Até lá, não nos falaremos.

Despediram-se rapidamente para não correr o risco de caírem em tentação

Nos cinco dias que se seguiram, ambos trataram dos detalhes do negócio a fim de que nenhum pormenor fosse esquecido.

Dominique dedicou um tempo enorme para se preparar até porque não conseguia pensar em outra coisa. O que usaria? Não queria ser um clichê, no entanto, tinha que surpreender Cassio e principalmente excitá-lo, sabendo que uma coisa era decorrente da outra. A meia arrastão, a pinta no rosto, coisas assim estavam fora de questão apesar de não ter nada contra. Precisava de algo que também a estimulasse.

Foi em sua meditação matinal que teve o clique de como montaria seu personagem.

Pensou em todos os detalhes, nos mínimos. Agendou cabelo e maquiagem naquele salão TOP. Não poupou dinheiro, tempo ou capricho, afinal era inegável que Dominique estava deslumbrada e excitadíssima com a ideia de alguém pagar aquela montanha de dinheiro para passar uma noite com ela. Lisonjeiro! Sabia que se contasse, a maioria das pessoas julgaria e provavelmente no mal sentido, todavia ela não estava disposta a explicar, muito menos justificar suas atitudes. De mais a mais, esse era um assunto privadíssimo apesar de muito divertido. No fundo, talvez, Dominique dividisse com Valentina, sua amiga mais aberta a novas experiências. Pensaria nisso depois…

Arrumou sua vasta cabeleira num penteado cheio de ondas. A maquiagem foi um pouquinho mais carregada do que aquela natural do tipo “acordei assim, nasci desse jeito”, mas antes, dedicou-se a uma sessão de massagem, para além de hidratar, relaxar e deixar os pensamentos fluirem.

Sua roupa estava toda separada, esperando-a para completar sua fantasia. Vestiu-se e perfumou-se com cuidado, pois não há nada pior do que excesso de cheiro, mesmo sendo esse, dos melhores franceses. Sua única hesitação foi na hora de escolher a bolsa para compor o visual. Sorriu ao pensar que não fazia ideia do volume de notas de seu “pagamento”, mas tinha a certeza que não caberiam em sua clutch habillé.

Estava orgulhosa. Será que orgulhosa era a palavra? Que sentimento era aquele? De regojizo? Prazer? A autoestima altamente enaltecida por saber que lhe desejavam tanto a ponto de pagarem uma pequena fortuna.

O fato de não precisar do dinheiro, ao invés de lhe trazer dilemas morais, trouxe muita tranquilidade para executar essa fantasia que não era só do Cassio, obviamente, mas sua também.

Pronta, deu uma última olhada no espelho, pegou a chave do carro, chamou o elevador e torceu para encontrar com algum vizinho a fim de testar o resultado final.

Chegou na porta do prédio de Cassio, 10 minutos antes do marcado, e esperou no carro que se passassem os 10 e mais cinco.

Apresentou-se na portaria com seu nome real, afinal não havia porque mentir, e ficou muito feliz ao ver cabeças virando por onde passava. Talvez não fosse comum, mulheres irem a um edifício comercial daquele jeito, naqueles trajes, mas naquela altura do campeonato, seu ego não acreditava em outra coisa que não fosse a admiração por sua beleza e charme.

Quando a porta do elevador abriu, Cassio a esperava do lado de fora.

Dominique viu toda a surpresa nos olhos do “cliente”. Cassio poderia ter esperado por tudo, mas jamais por Dominique vestida com seu chiquetérrimo vestido longo de festas preto. Era uma daquelas roupas definitivas, que compramos uma vez na vida, sabe? Super bem cortada, realçava as curvas de Dominique sem entregá-las assim como a ousada fenda lateral fazia com sua perna bem torneada. O decote exibia um colo bronzeado e suas charmosas sardas, coisas de gente que tomou muito sol na juventude. Um colar de pedras da cor azul-turquesa realçavam a beleza de seu tom de pele. O toque final Dominique deixou para a sandália de tirinha de saltos altíssimos e mega sexy.

Cassio deu passagem e não escondeu sua expressão de apreciação.

-Uau, Ma Cherie, você está um arraso. Muito chique. Um tesão.

Dominique sorriu enquanto analisava lentamente o ambiente. Um balde de gelo com uma garrafa de champagne transpiravam ao lado de taças de cristal e de uma bandeja de petit fours. Ah, Cassio sabia o que era bom.

Nunca esteve lá antes, e estava admirada com a sofisticação e o nível de detalhes do lugar.

Grandes plantas verdes davam volume para cantos e vasos com orquídeas brancas espalhados por pontos estratégicos, conferiam textura e contrastes.

A iluminação não era a típica luz branca fria de escritório, pelo menos não as poucas que estavam acesas e que davam um tom ambar aos móveis super modernos e de design daquele ambiente.

Dominique girou sobre si mesma naquele salto finíssimo e altíssimo e parou de frente a Cassio que agora estava a centímetros dela.

— Somos só nós dois? Onde estão todos? O que você fez com o pessoal que ocupa todas essas mesas?

— Eu te falei, Dominique, que disso cuidaria eu, e decerto cuidei. Hoje foi dia de home office depois do almoço. Ou não. Todos dispensados.

— Eles não quiseram saber o porquê? Não ficaram curiosos?

— Sim, ficaram, e é por isso que é bom ser o chefe vez por outra, e não precisar dar satisfação. Amanhã as fofocas correrão soltas, mas e daí? O que importa é que você está aqui, e está uma delícia.

Cassio abriu o champagne e serviu uma taça para Dominique pegando suavemente em sua mão.

Viraram cadeiras das mesas próximas e sentaram-se frente a frente. Dominique cruzou as pernas, deixando por cima, justamente a perna cuja fenda do vestido exibia gloriosamente.

Guilherme sorriu e perguntou.

— Por onde começamos? Você preparou alguma surpresinha para mim?

— Sim, muitas, pois você sabe que não brinco em serviço e justamente por isso, começaremos pelo meu pagamento. Negócios negócios…

— Sim, Dominique, você tem toda razão – disse guilherme levantando-se.

Caminhou até um armário, destrancou-o e de dentro pegou uma caixa grande, prateada, que parecia estar pesada.

Então esse é o volume que daquele dinheiro todo, pensou Dominique.

— Aqui está Ma Cherie. U$ 100.000,00

— Cem mil Dólares??????? – Gritou Dominique

— Não combinamos a moeda naquela noite, lembra? Você falou apenas 100.000, então me vi no direito de escolher a moeda, e para você, nada menos do que dólares minha querida.

Dominique pousou a pesada caixa na mesa ao seu lado e abriu a tampa. Seu sorriso esmaeceu.

-Cassio, o que é isso? Que dinheiro é esse? – Perguntou ela segurando um punhado de notas coloridas que poderiam ser tudo, mas jamais dólares.

— São 100.000 dólares liberianos. Como falei, não chegamos a combinar a moeda.

— Que brincadeira é essa? – disse ela se afastando- Quanto vale isso?

-Ma cherie, de que importa o valor? você não mprecisa, e estamos brincando.

-Não! Não! Quanto vale isso???

-Algo em torno de 200 dólares americanos. Você não tem ideia do trabalho que me deu achar dólares liberianos – Disse Cassio estourando na gargalhada.

Faltava o ar para Dominique.

Ela se afastava da caixa como se nela estivesse contido o mais tenebroso dos insultos. Olhou profunda e agressivamente para Cassio e disparou:

— Como pode você ser tão insensível? Como pode você ser tão estúpido? Quer dizer que eu não valho R$100.00,00? Eu não valho mais do que U$200,00? O que te levou a pensar que esse seria o meu valor, o meu preço?

-Ahhh, Dominique, sério que você achou que eu pagaria R$ 100.000,00 para uma transa com você?

No mesmo momento que falou, arrependeu-se mortalmente, entretanto já era tarde e tentou corrigir.

— Tudo isso não passa de uma brincadeira, transamos de graça, você não precisa desse dinheiro, e eu quis apenas dar um toque de humor a isso tudo.

— Que você me pagasse com notas do Banco Imobiliário, Cassio, mas jamais com um a moeda desvalorizada atribuindo-me assim um valor desmerecedor. O que você fez foi aviltante! Não, não preciso do dinheiro, nem você! Entretanto achei estarmos em um jogo de sedução, jamais imaginaria uma canalhice dessas. O que você pretendia? Me submeter? Me humilhar? Mostrar quão pouco eu valho perto de você? Ahhh Darling, sinto muito. Nada disso.

Cassio parecia, de fato, estar surpreso e confuso com a reação de Dominique sem saber como lidar com a situação.

Dominique pega sua clutch, e sai em direção a porta apressada, segurando o choro.

Cassio segura-a pelo braço.

-Não saia assim, fique para conversarmos.

Dominique olhou para ele com cara de nojo, desvencilhou-se num arranco, abrindo a porta para sair quase que correndo.

-Você veio de carro? Espera que eu te levo. Deixa eu pegar as chaves.

Dominique, apertava freneticamente o botão do elevador como se apertar mais de uma vez fosse acelerar a velocidade de sua chegada.

— Não precisa Cassio. Toda puta que se presa tem sua própria condução.

Finalmente quando o elevador chegou, ela entrou fazendo um sinal para que Cassio não a acompanhasse e antes que a porta se fechasse Dominique falou:

— Só volte a me procurar quando tiver U$100.000,00. Em dinheiro e a vista. Adeus.

XXXXXXXXX

Leia também : Recomeços aos 50 anos existem?

Eliane Cury Nahas

Economista, trabalha com tecnologia digital desde 2001. Descobriu o gosto pela escrita quando se viu Dominique. Na verdade Dominique obrigou Eliane a escrever. Hoje ela não sabe se a economista conseguirá ter minutos de sossego sem a contadora de histórias a atormentá-la.

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