Ainda não tive o último dia da minha vida, ainda bem, mas já tive muitos “últimos dias”. Isso não quer dizer que tenha vivido 7 vidas.
Vou tentar explicar. Um dia, num distante 1998, olhei uma figura de um marcador de tempo derretendo. Parei. Olhei de novo. Um arrepio me percorreu a espinha. Persistência da Memória tocou alguns pontos de minhas terminações nervosas.
Clichê ou não, fiquei obcecada por este quadro de Salvador Dali, sem entender muito bem. Apenas sabia que as questões do tempo, o tempo mais rápido que o meu tempo, a falta dele ou até mesmo a diferença entre o meu timing e o dos outros, me perseguiriam pelo todo o sempre.
Concluí que sou muito ansiosa e descobri que a culpada por este sentimento dominador e determinante é a relação que tinha/tenho com o tempo.
Por exemplo: quando viajava, ficava sempre com aquela sensação de que não daria tempo de conhecer tudo, de ver tudo, de aprender tudo.
O pior foi perceber que minha imaturidade não me deixava ver que o tudo não existe (afff, Lili, que filosofada boba. Foco Lili. Foco).
Acabei achando uma fórmula para aplacar minha ansiedade quando viajo e não enlouquecer quem está comigo com maratonas de 18 horas.
Eis a fórmula: Para qualquer lugar que eu vá, na minha cabeça, tenho a certeza que voltarei um dia! Então, caso não consiga fazer ou ver agora, farei da próxima. Obviamente nem sempre existe a próxima. Na maioria das vezes não há, mas é meu truque.
Este foi apenas um exemplo da relação conturbada que tenho com esta entidade, dona de todos nós: o Sr. Tempo! Sempre o último segundo que está por vir.
Voltando ao século passado, naquele mesmo ano de 1998, outro acontecimento teve um peso preponderante em minha vida.
No carro, correndo (sempre correndo, mas nunca atrasada!) para buscar as crianças na escola, perdida em minha lista mental de afazeres do dia, começa a tocar uma música no rádio. Um murmurar aflito. Uma voz masculina diferente. Um ritmo ansioso e agoniado. Palavras insólitas unindo-se em frases incomuns. A música terminou.
Parei. Parei o carro na primeira ruela que achei. O refrão martelava em minha cabeça.
Ainda parada e longe de meu destino, peguei no porta-luvas um pedaço de papel e uma caneta. E comecei a responder o que me perguntava insistentemente aquele refrão.
– O que você faria se só te restasse um dia?
Escrevi. Em formas de tópicos, cartesiana que sou. Escrevi. Virei aquele folheto de quitanda e continuei escrevendo em todos os seu espaços em branco. Procurei no carro desesperadamente outro pedaço de papel para ter chance de seguir minha vida, um último pedacinho de papel. Não achei.
Parei. Parei tudo. Olhei para os meus garranchos e concluí o óbvio. Não vai dar tempo! Se eu tiver apenas um dia, não terei tempo de fazer tudo o que gostaria.
Fiquei em estado catatônico sem saber como resolver aquela difícil equação. Um ligeiro desespero encontrou as minhas, mais do que nunca, persistentes memórias.
Foi quando tive uma luz!
– Eu não tinha apenas um dia, um último dia. Pelo menos não que eu soubesse. Então, talvez e apenas talvez, desse tempo.
Deu!
Desse dia em diante resolvi viver minha vida sem pendências. Tento fazer tudo e de tudo (dentro do razoável, claro). Sem pressa, sem agonia, eu faço.
E hoje, no primeiro dia do ano, viverei como se fosse o último.
Mas com muito pouca coisa pra fazer e com a tranquilidade de que vai dar tempo.
- Em tempo e a quem interessar possa, a música em questão é Último Dia do Paulinho Moska
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O tempo para quem espera em Deus e infinito nao faca nada em vão que vai dar tempo para tudo o que vc quer sem pressa de ser feliz, talvez o tempo que vc imagina nao e o meu tempo.Quando vc tem o dom de ver o futuro em vinte anos vc programa o tempo sem pressa de chegar a onde vc quer tudo no seu devido lugar esse e o tempo ao tempo.Dar tempo pra encaixar todas as coisas que estão pendentes a vida espiritual. E como fosse ser ou ser.
Agora lembrei de um escrito DAZANTIGA:
Afinal, Tempo, vais pra trás ou pra adiante?
vais assim, conduzindo minha vida
e eu de mim, fico distante…
Pra onde vais,Tempo?
Pra trás ou pra adiante?
😉
Se a cd dia nos lembrassemos de que pode ser o último, quem sabe, tudo poderia ser diferente para mim é para o outro…