Tag: Astor Piazzola

Astor Piazzolla – O show que faltou

Astor Piazzolla e Gerry Mulligan.
Dominique - Música

Não vou mais falar que sou louca por música. Esta é a última vez. Ou penúltima. Mas hoje é aniversário dele!!

Cigarro foi meu único vício. Foi.  Abandonei há 4 anos. Digo isso porque não se pode considerar algumas outras coisas como vícios. Talvez obsessão. E shows ao vivo sempre foram uma de minhas maiores obsessões.

Caçava shows pela cidade e fora dela. Fui ver artistas que queria muito! Outros porque precisava ver uma vez na vida. Outros porque gentilmente fui convidada e impossibilitada de recusar. Acho que realizei todos os meus desejos menos um.

Por imaturidade ou pura ignorância conheci tardiamente um compositor e músico através de uma música que me encantou. Encantou no sentido literal de enfeitiçar.

Grávida de meu primeiro filho, aos 24 anos, numa certa noite, lembro de estar sentada no chão fazendo qualquer atividade com o rádio ligado. Acho que a meninada de hoje nunca vai entender que ouvíamos rádio em casa, né? Ou era só eu?

Bom, me lembro de estar no chão, entretida com minha atividade, quando começaram os primeiros acordes. Na verdade sons de um saxofone. Um lindo sax que foi num angustiante crescente até o momento que aconteceu um instrumento que não conhecia.

Sim aconteceu! Foi daquelas sensações que você tem uma vez na vida, sabe?

Arrepiei dos pés a cabeça. Fui às lágrimas. Pode parecer exagerado ou pode ser que tenham sido os hormônios.

Mas agora também? Estou escutando a dita música para escrever este texto e não consigo não me emocionar.

Voltando… Aguardei ansiosa o locutor anunciar o nome da música e seu autor. Entra o comercial. Aguardo ainda mais ansiosa. Volta outra música e nada do locutor.

Era uma rádio FM. E naquela estação específica, os locutores, às vezes, diziam os nomes das músicas, às vezes não. Imagino que naquele horário nem tinha locutor.

Desesperada peguei a lista telefônica.

Gente, 1988! Não tinha Internet, Google, muito menos Shazan e SoundHound. Você lembra das Páginas Amarelas? Não sei exatamente qual foi minha busca, se foi “rádio”, “FM”ou o quê. Mas achei a tal rádio Eldorado.

Well… De achar o telefone de uma rádio até descobrir o nome de uma música já tocada, vai um longo caminho. Pois eu o percorri por completo.

Meu marido entrava e saía da sala atônito sem entender para quem eu ligava e com quem eu conversava às 23 horas daquele quente mês de novembro.

Quando digo que sou obcecada, sou mesmo.

Consegui chegar no programador ou algo parecido.

– Moço, por favor, qual o nome da música que tocou há uns 15 minutos?

– Qual delas menina?

– Não sei dizer. Não sei de quem é. Tocou antes do comercial.

– Deixa eu ver aqui…

E me falou uma série de nomes de músicas que apesar de não conhecê-las, tinha certeza que não podiam ser.

Comecei a ficar agoniada e ele irritado.
Até que eu disse:

– Moço, começa com um saxofone lindo.

– Ahhh, mas essa música tocou há uma hora!

Sério? Eu estava na minha insana busca há uma hora?

– Pode ser “Years of Solitude”?

Tive certeza que era esta música. Com esse nome. Isso. Só poderia ser.

-Sim! Essa mesma.

E continuou o locutor do outro lado:

Years of Solitude de Gerry Mulligan e Astor Piazzolla.

E foi aí que conheci Piazzolla.

No dia seguinte, meu marido trouxe de presente o LP. Escutei o disco o resto de minha gravidez inteira. E fui conhecendo mais Piazzolla.

Descobri que aquele instrumento que aconteceu em minha vida se chama bandoneon. E fui amando Astor. Que nem por isso veio para o Brasil depois que eu o descobri.

Este foi o preço de ter tido uma tardia descoberta, porque sei que muitas turnês ele fez por terras nostras antes disso. Piazzolla foi o show que faltou em minha vida. Mas quem sou eu para reclamar?

Meu filho nasceu em março de 1989. Menino lindo. Sensível. Mais sensível, talvez, que esta que vos escreve.

E ainda pequeno, por volta de seus 7 ou 8 anos, me pediu para aprender um instrumento.
Disse que queria aprender a tocar saxofone.

– Como assim sax, meu filho? É muito difícil.

Tanto ele fez que foi aprender a tocar sax.

Quase morri em seu primeiro showzinho da escola de música. Quase morri quando de alguma maneira, anos atrás, ele de seu jeito tão peculiar, me fez entender que Take Five do David Brubeck seria a nossa música.

O show que faltou não faltou, porque trouxe a possibilidade de outros. Com outros artistas, outros instrumentos, outros amores.

Obrigada meu filho, por todos os shows que tem me proporcionado ao longo da vida. Admiro muito os instrumentos que escolheu para tocar a sua vida.

Espero ter tempo de contar os shows que marcaram minha vida, dos músicos, das músicas. Até porque, se um dia eu for contar a minha história, os capítulos serão todos nomes de música.

Mais uma versão desta música, Years of Solitude, agora a gravada em estúdio, aquela que ouvi incontáveis vezes!!

https://www.youtube.com/watch?v=C15OTz1kT6Y

Leia mais:

A publicidade não fala com as Dominiques. Por quê?
Sabe aquele show que marcou a sua vida? O meu foi esse…

Eliane Cury Nahas

Economista, trabalha com tecnologia digital desde 2001. Descobriu o gosto pela escrita quando se viu Dominique. Na verdade Dominique obrigou Eliane a escrever. Hoje ela não sabe se a economista conseguirá ter minutos de sossego sem a contadora de histórias a atormentá-la.

6 Comentários
  1. Além de um texto leve e gostoso como é o natural de sua forma de viver …confesso a oportunidade de ter acesso a essa música de novo foi maravilhosa…ela te derruba pra te resgatar e te levar ao topo…grande viagem. Assisti ao último show de Piazzola no Rio ainda Cabeção…inesquecível. sem mais o que argumentar..valeu

  2. Adorei o texto! Sensível e intimista. Muito bem escrito. Capta a atenção do leitor com maestria. É como se estivéssemos na sala, falando ao telefone…
    Muito envolvente,

  3. Oi Eli! Linda sua crônica! Ouço a Eldorado todos os dias no carro, e ano passado ela ganhou como a música mais tocada na radio! Amo também esta música! E a primeira da minha playlist…

  4. Adorei a cronica.tambem adoro esta musica.me apaixobei por piazzola quando tinha 24 snos e ouvi em um show de tango balada por un loco e fiquei alucinada pelo som do bandoneon. Ate hoje piazzola me arrebata…

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