Tag: negros

Festa do Cablo, a Festa do Caboclo triste.

Já perdera a conta  quantas vezes tentou jogar no lixo o conteúdo daquela caixa de cartão. Lá no seu íntimo, Dandara achava que, talvez, desfazendo-se das lembranças, conseguiria também apagar as dores. 

Entretanto, ao invés de queimar aquelas assombrações, mais uma vez, abriu a caixa, e oxigenou o fogo que alimentava os seus fantasmas. 

Segurou o desbotado papel amarelo do parolo guarda-chuva de chocolate que ganhou naquela noite na Festa do Cablo. Conseguia lembrar cada pequeno detalhe daquele folguedo, que foi também a última vez que viu Zaki. 

Veja só quanta ironia, pois tinha que ser justamente na Festa do Cablo, aquela que já se chamou Festa do Caboclo.

Hoje em dia, está incorporado ao calendário do folclore nacional e provavelmente, tornar-se-a patrimônio imaterial da humanidade, mas surgiu no século passado, para  reunir os seguidores das religiões de matriz africana, como Candomblé e Umbanda. Porém, com a perseguição sofrida e as constantes acusações de bruxaria, o nome da festa mudou de Caboclo para Cablo, uma alteração, que apesar de aviltante, salvou muitas vidas negras.

Dandara, ainda com o papel de doce na mão, lembrou-se do esmero com que se arrumou aquela noite para encontrar Zaki. Tomou um duche como mandava a tradição, com óleos e essências da terra. Colocou aquele vestido amarelo que tanto realçava a sua pele cor de chocolate, que Zaki não cansava de afagar e elogiar. Dizia que nem a noite de lua cheia resplandecia tanto quanto aquela sua pele negra que ele tanto amava. Não se furtou de usar os sapatos de saltos altíssimos e finíssimo e aquelas “sexys” meias de vidro 7/8,  que deixavam as suas pernas ainda mais bem torneadas, se é que era possível. Uma maquiagem leve, e apenas um par de ganchos a prender os seus cabelos de maneira a soltá-los como num passe de mágica, quando as mãos de Zaki, se aproximassem, para as festinhas carinhosas nos seus cachos.

Na bolsa, levava alguns trocos para um suco, batom, lenços, um comprimido para enxaqueca e as chaves de casa.

Lá foi Dandara, ansiosa por encontrar aquele homem, que acreditava,  já poder chamar de namorado afinal eram meses de encontros, cinemas, lanches, beijos e carinhos.

Assim que chegou, avistou Zaki com um copo na mão e um saco de papel na outra. Sorriu feliz, pois sabia que ele trazia no saco, como sempre, os guarda-chuvas de chocolate, mimo que adorava. 

Aproximou-se sorrindo o sorriso de uma mulher apaixonada. Encontrou o triste olhar de um homem triste. 

Zaki  largou o copo, puxando-a para perto de si, e assim, colados, permaneceram por um tempo que Dandara não saberia precisar. Em silêncio, de mãos dadas, caminharam para o jardim e lá entregou o saquinho com as prendas. 

Começou a coçar o nariz sem parar. Dandara sabia que estes comichões aconteciam quando Zaki estava nervoso e perguntou o que se passava enquanto pegava um daqueles deliciosos guarda-chuvas –  o amarelo para combinar com o seu vestido. Entretida em abrir o doce tentando não estragar o papel que iria para sua caixa de recordações, não percebeu o tremor nos lábios do seu amado que tentavam pronunciar algo.

– Desculpe – disse ele com um fio de voz – desculpe, mas vou casar semana que vem. 

Dandara não entendia o que escutava. O que Zaki falava? Casamento? Uma semana?

Muda, atónita, olhava para ele que murmurava coisas incompreensíveis para Dandara.

Viu Zaki afastando-se e a única coisa de que se lembra, é da sensação do guarda-chuva de chocolate  meio esmagado, meio derretido entre os seus dedos. 

Dos pertences levados na sua bolsa, apenas não usou  o batom. Os lenços foram providenciais tanto para as suas lágrimas quanto para a meleca que fizera com o chocolate. Os trocados garantiram a sua volta para casa de maneira digna, dentro de um táxi. E o comprimido para enxaqueca não poderia ter vindo em melhor hora, não fosse para aplacar a dor, fosse, pelo menos, para dar alguma sensação de conforto.

Soube, tempos depois, que o seu negro Zaki, casou com a alva Eugênia.  

Já perdera a conta  quantas vezes tentou jogar no lixo o conteúdo daquela caixa de papelão. Lá no seu íntimo, Dandara achava que, talvez, desfazendo-se das lembranças, conseguiria também apagar as dores. 

Entretanto, ao invés de queimar aquelas assombrações, mais uma vez, abriu a caixa, e oxigenou o fogo que alimentava os seus fantasmas. 

Segurou o desbotado papel amarelo do cafona guarda-chuva de chocolate que ganhou naquela noite na Festa do Cablo. Conseguia lembrar cada pequeno detalhe daquele folguedo, que foi também a última vez que viu Zaki. 

Veja só quanta ironia, pois tinha que ser justamente na Festa do Cablo, aquela que já se chamou Festa do Caboclo.

Hoje em dia, está incorporado ao calendário do folclore nacional e provavelmente, tornar-se-a patrimônio imaterial da humanidade, mas surgiu no século passado, para  reunir os seguidores das religiões de matriz africana, como Candomblé e Umbanda. Porém, com a perseguição sofrida e as constantes acusações de bruxaria, o nome da festa mudou de Caboclo para Cablo, uma alteração, que apesar de aviltante, salvou muitas vidas negras.

Dandara, ainda com o papel de doce na mão, lembrou-se do esmero com que se arrumou aquela noite para encontrar Zaki.

Tomou um banho como mandava a tradição, com óleos e essências da terra. Colocou aquele vestido amarelo que tanto realçava a sua pele cor de chocolate, que Zaki não cansava de afagar e elogiar, dizendo que nem a noite de lua cheia resplandecia tanto quanto aquela sua pele negra que ele tanto amava. Não se furtou de usar os sapatos de saltos altíssimos e finíssimo e aquelas “sexys” meias de seda 7/8,  que deixavam as suas pernas ainda melhor torneadas, se é que era possível. Uma maquiagem leve, e apenas um par de grampos a prender seus cabelos de maneira a soltá-los como num passe de mágica, quando as mãos de Zaki, se aproximassem, para as festinhas carinhosas nos seus cachos. Na bolsa, levava alguns trocos para um suco, batom, lenços, um comprimido para enxaqueca e as chaves de casa.

Lá foi Dandara, ansiosa por encontrar aquele homem, que acreditava,  já poder chamar de namorado afinal eram meses de encontros, cinemas, lanches, beijos e carinhos.

Assim que chegou, avistou Zaki com um copo na mão e um saco de papel na outra. Sorriu feliz, pois sabia que ele trazia no saco, como sempre, os guarda-chuvas de chocolate, mimo que adorava. 

Aproximou-se sorrindo o sorriso de uma mulher apaixonada. Encontrou o triste olhar de um homem triste. 

Zaki  largou o copo, puxando-a para perto de si, e assim, colados, permaneceram por um tempo que Dandara não saberia precisar. Em silêncio, de mãos dadas, caminharam para o jardim e lá entregou o saquinho com as prendas. 

Começou a coçar o nariz sem parar. Dandara sabia que estes comichões aconteciam quando Zaki estava nervoso e perguntou o que se passava enquanto pegava um daqueles deliciosos guarda-chuvas –  o amarelo para combinar com o seu vestido. Entretida em abrir o doce tentando não estragar o papel que iria para sua caixa de cartão, não percebeu o tremor nos lábios do seu amado que tentavam pronunciar algo.

– Desculpe – disse ele com um fio de voz – desculpe, mas vou casar semana que vem. 

Dandara não entendia o que escutava. O que Zaki falava? Casamento? Uma semana?

Muda, atônita, olhava para ele que murmurava coisas incompreensíveis para Dandara.

Viu Zaki afastando-se e a única coisa de que se lembra, é da sensação do guarda-chuva de chocolate  meio esmagado, meio derretido entre os seus dedos. 

Dos pertences levados na sua bolsa, apenas não usou  o batom. Os lenços foram providenciais tanto para as suas lágrimas quanto para a meleca que fizera com o chocolate. Os trocados garantiram a sua volta para casa de maneira digna, dentro de um táxi. E o comprimido para enxaqueca não poderia ter vindo em melhor hora, não fosse para aplacar a dor, fosse, pelo menos, para dar alguma sensação de conforto.

Soube, tempos depois, que o seu negro Zaki, casou com a alva Eugênia.  

Caboclo
Obra de Di Cavalcanti, “Samba”

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Previsões, quem acredita nelas?

Dominique

Nasceu em 1964. Ela tem 55 anos, mas em alguns posts terá 50, 56, 48, 45. Sabe porque? Por que Dominique representa toda uma geração de mulheres. Ela existe para dar vida e voz às experiências, alegrias, dores, e desejos de quem até pouco tempo atrás era invisível. Mas NÓS estamos aqui e temos muito o que compartilhar. Acompanhe!

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