Tag: Recreio

Algumas trocas são presentes que não tem preço, mas tem valor

Dominique - Trocas
Todo mundo já foi criança um dia. Até eu.  Acredite.

Sempre fui alta, na verdade, a mais alta de todas e de todos.

Não bastasse minha cabeçinha lááá em cima, solitária, no último lugar da fila, ainda tinha aquela coisa de ser gordinha.

ÔÔ primário infernal, viu?

Todas as minhas amigas magrinhas, eretas, bumbum arrebitado, com aquele cabelão lisoooo e cheio de fivelinhas coloridas. Um charme.

Já eu, com um cabelinho mais para o ondulado quase crespo, lembro direitinho do quanto minha mãe puxava para fazer um rabo de cavalo impecável e sem uma ondinha. Doía pacas, mas ficava quase que militar! Um orgulho para ela.

Enfim, eu era de uma timidez proporcional ao meu tamanho. Calma, calma… Tudo acabou bem. Essas coisinhas passaram e se transformaram em grandes vantagens competitivas em todos os aspectos:

– Ser alta é maravilhoso.
– Meu cabelo é superjeitoso e faço dele o que quero.
– Não me acho gordinha o tempo todo. Só às vezes. Sou é muito gostosa.

Mas voltando. Lá atrás, no meio de tantas inseguranças, brincadeiras, escola, maldades, vilanias infantis, inocência, beleza, pureza, amigas, família e medo vieram também os aprendizados e as descobertas. Fascinante!

Uma das poucas coisas de menina que fiz de verdade foi coleção de papel de carta. Muito mais pelo ato de colecionar do que pelo papel em si.

Na época, fazia sucesso um papel de carta chamado Betsey Clark. Eram umas bonequinhas com cabeça de cebola. Não sei nem se gostava tanto assim. Mas toooooooodas as minhas amigas amavam. E era no recreio quando praticávamos a “troca”.

Claro que o valor de um papel de carta era subjetivo, ainda mais para meninas de 10, 11 anos. Os da Betsey Cebola valiam mais.

Mas, na troca, outros quesitos eram postos em jogo.
O quanto você era ou não querida.
O quanto você era ou não bonita.
O quanto você era ou não inserida.

Eu tinha uma coleção mais ou menos e acho que, para mim, só valia pelo contexto social.
Nada de muito importante.

Mas aí, num remoto recreio, sentei na mureta e pedi para ver a pasta da Bia. Vi um cartão com selinho das tais cebolinhas. E comecei a negociar.
– Bia, vamos trocar este cartão? Troco por estes meus 3.
– Ahhh, Dominique, vale muito mais que isso.
– Hummm, ok… Então estes aqui.
– Não gosto de nenhum.
– Deixa eu ver Bia. Estes 7 por um cartão ainda não vale? 7?
– Não!

E continuei tentando desesperadamente que a Bia aceitasse aquela negociação mesmo que eu tivesse que entregar toda minha coleção.

Não sei o que se passava comigo naquele momento, mas parecia que isso era a coisa mais importante do mundo. E parecia que a Bia sabia disso. Ela exercia sua infantil vilania com requintes.

Claro que nesta hora uma rodinha de meninas já tinha se formado em volta de nós.
Risinhos…Cochichos…Cutucadinhas…Quando eu estava prestes a oferecer tooodooosss os meus pertences, num último lance de desespero, escutei…

– Bia, eu também quero este cartão. Vamos trocar? Troco por estes 4 da Betsey.

Olhei para o lado e era Valentina. Mas por que ela estava fazendo isso? Por que ela me tirou a chance de ter aquele bem tão precioso? E acredite, a Bia imediatamente aceitou a troca com a Valentina.

Saí chorando. Chorando muito. Valentina veio atrás de mim. Eu gritei com ela! Que ela tinha me roubado! Que aquele cartão era meu e que eu estava quase conseguindo. Por que ela tinha feito isso?

Ali, escutei as palavras mais generosas que uma menina daquela idade poderia dizer:

– Porque não aguentei te ver fazendo aquilo. A Bia nunca ia te dar aquele papel. Ela estava se divertindo. Toma… Pra você!

E me entregou o tal cartão. Devolveu minha autoestima junto. E me ensinou o significado da palavra cumplicidade. Ou seria isso solidariedade? Não… acho que é simplesmente carinho.

Do cartão, não tenho ideia que fim levou. Mas a Valentina, que já era minha amiga, naquele dia passou para o status de melhor amiga. E de lá nunca saiu.

Belo episódio, né?

Descobertas, valores, amizades. Uns tem, outros não…

E no final das contas temos as trocas. Tudo na vida são trocas. Acho que tenho feito boas escolhas até aqui.

Ahhhhhhh… sabe aquelas minhas amigas magricelas de bumbum arrebitado que eu falei la em cima? Era lordose!

Apesar da minha amizade com a Valentina começar com trocas eu não a trocaria por ninguém. Me diz se você tem alguma amiga que não troca por nada!

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Eliane Cury Nahas

Economista, trabalha com tecnologia digital desde 2001. Descobriu o gosto pela escrita quando se viu Dominique. Na verdade Dominique obrigou Eliane a escrever. Hoje ela não sabe se a economista conseguirá ter minutos de sossego sem a contadora de histórias a atormentá-la.

8 Comentários
  1. Que lindo!!!
    Fui uma jovenzinha muito alta, como vc a mais alta da turma, última da fila kkkk, cabelos tão lisos que minha mãe fazia papelotes, alguém sabe o que é? Não durava nada. Resumo da opera, vida é um repeteco de fatos, mudando só de endereço. Boa lembranças. Adorei!!!

  2. Linda passagem..realmente difícil uma criança da idade da Valentina agir com tanta generosidade, desapego e maturidade.Guarda essa no ❤️. Isso é caráter, vale ouro , é raro e para sempre.

  3. Emocionante!!!!Li hoje um texto sobre amizade madura e é bem assim, basta um olhar, um gesto e todo o resto fala por si só. Feliz aniversário!!!!!

  4. Adorei a história e me vi nela
    Tenho amigas que fiz ao longo da minha vida que não troco por nada.

  5. Esse tipo de atitude a gente leva no coração para toda eternidade. Linda história. Parabéns para as duas. Feliz aniversário Valentina!

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