Hoje, meu filho chegou de uma viagem e me trouxe de presente “amardim”.
– Olha o que eu achei, mãe. Veja se essa é igual a que a sua avó te dava.
Abri ansiosa o pacote com aquele celofane laranja tão típico para experimentar aquela iguaria.
Uma pasta de damasco puro prensada. Bem fininha. Veio dobrada ao meio e como sempre, “rasguei”, sim rasguei, uma tira do amardim.
Fechei os olhos e tentei sentir todo o azedinho de minha infância, mas o que vi quando fechei os olhos foi a despensa da vovó.
Era um lugar sagrado, onde ela guardava iguarias das mais deliciosas e diferentes. Todos os tipos de temperos, doces, manteiga em lata, balas de goma, farinhas, nozes, lata de azeite “estrangeiro” que ela furava com alfinete, Maizena, vidros de geleia de mocotó, sabão de côco em pedra e outros itens de sobrevivência não perecíveis. Ali era um lugar idílico cheio de cores e cheiros que despertavam minha imaginação e curiosidade.
Adorava entrar com ela naquele lugar.
Mas não era qualquer um que entrava ali. Aquela caverna com seus tesouros era trancada por uma chave, que ficava no sagrado molho de chaves da vovó.
Desde de muito cedo aprendi o que era molho de chaves.
Que criança de 4 ou 5 anos sabe que o coletivo de chave é molho? Pois bem, não só eu sabia, como reconhecia o barulho do molho da vovó à distância.
Já reparou que cada molho de chaves tem um barulho característico? Engraçado, né?
O da minha mãe tinha um. O do meu pai outro. Eu sabia de longe quem estava chegando pelo barulho das chaves.
Hoje não mais. Mal consigo escutar aliás, que diria reconhecer o tilintar dos metais.
Mas voltando a despensa da vovó. Ela tinha um cheiro. Um cheiro maravilhoso e completamente peculiar e único.
Fiquei impressionadissima ao ler o livro de Milton Hatoun “Relato de um Certo Oriente”. Ele descreve os cheiros da infância dele em Manaus.
Como pode alguém descrever cheiros? E pior, como pode outro alguém reconhecê-los?
Pois bem, Hatoun descreveu os cheiros de seu passado. E eu reconheci todos. Acho até que voltei a senti-los enquanto lia o livro.
Ah como era bom entrar com minha avó naquele espaço encantado. Eu olhava direto para prateleira à direita perto da porta. Ela sorria para pegar o amardim que comprava só pra mim, rasgava um pedaço e colocava em minha boquinha aberta como se eu fosse um passarinho. Azediiiiisssimo. Aí que delicia.
O tempo passou e o amardim ficou doce. E grosso. E estranho. Apesar da embalagem ser exatamente a mesma ainda.
Não sei porque ainda como. É sempre uma enorme decepção. Uma pasta cheia de açúcar tão distante de minha infância.
Abri os olhos, vi meu filho e entreguei a ele o meu maior sorriso e disse:
– Nossa filho! Muito obrigada! Este amardim é azedíssimo, igualzinho ao da minha infância. Abracei e beijei a pessoa que voltou a colocar doce na minha boca tantos anos depois.
Não que tenha alguma importância, mas não. O doce não era igual ao de minha avó. Mas o carinho dele foi.
Que saudade da minha avó! Qual é a sua melhor lembrança de infância?
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Amei seus comentários!!
A memória olfativa nunca se apaga e nos faz viajar tão longe!!
Fátima,
Tem lugares que passo que eu lembro de ter estado aos 6 anos de idade e sinto como um abraço forte. Não tem dinheiro que pague.
beijo grande
Que delícia passear pelos seus contos!
Obrigada
Patsy,
Que demais saber que a gente te proporciona momentos gostosos! É este o nosso objetivo.
beijo grande
Fui as lágrimas muitas emoções ❣️
Que bom que gostou tia..