Caminhos Cruzados – Calor Infernal. Seria o tal Fogacho?

Era o dia. Dia de apresentar o projeto para a última instância de aprovação: o presidente da empresa. Tinha muita confiança no trabalho. Era excelente. Matador.

Mas não custava um cuidado extra na hora de me arrumar. Já sabia há semanas o que vestiria. Aquela calça escura, muito bem cortada, nem justa nem larga. Escolhi uma blusa decotada de alças finiiiinhass, daquela seda que é quase um bijou de tão delicada, como diria minha avó. Branca. Branquíssima. Tinha que, de alguma maneira, valorizar aquele colo bronzeado e tão tratado.

Um cinto mais largo que o normal, com uma fivela bacanuda, era o toque de informalidade da roupa. Agora o blazer. Seriedade é fundamental. Não basta ser. É preciso parecer! Peguei meu melhor blazer, aquele que se compra uma vez na vida. Digamos que seja uma daquelas peças definitivas que você nunca mais comprará, sabe como é?

Um colar extravagante. Mas não muito. Afinal, sou uma profissional antenada e moderna. E, para arrematar o look, aquele sapato preto podre de chic e de salto altiiiiiisssiiimo. Uma escova lisa superbem feita que só a Neuzinha sabe fazer. Maquiagem leve, com uma pele sedosa contemplando e valorizando todas as marcas dos meus 50 anos. Uma última conferida geral e até o espelho, rotineiramente imparcial, aplaudiu o resultado!

Encontro as outras duas pessoas do escritório já no cliente. Sala de reunião pomposa. Devem ter trazido uma montanha inteira de Carrara para fazer aquela mesa. Cadeiras brancas de couro é coisa de gente que não tem medo de ser feliz, né? Bom…

Chega o presidente com sua entourage. Cumprimentos, cinco minutos de amenidades e começa o show. Estou confiante. O projeto é forte. Minha apresentação, apaixonada! Vejo o interesse na postura dos espectadores. Tenho controle total sobre a audiência.

Sei disso. Três décadas na profissão me deram esta sensibilidade.

Que delícia. Chego ao último slide e um enorme obrigada sorri na tela. As luzes se acendem. Começam as dúvidas. Não há pergunta que eu não tenha resposta.

Estou tão segura que reclamo jocosamente do ar condicionado. Que calor amigos. Será que não podemos aumentar um pouquinho este ar? Uma moça muito prestativa atende ao meu pedido. Mas se passam alguns minutos, e continuo sentindo um calor que na verdade só aumenta.

Começo a transpirar. Olho em volta, e vejo que todos estão à vontade em seus espaços. De repente, sinto algo inexplicável. É como se um vulcão dentro de mim entrasse em atividade. Uma explosão de calor dos pés à cabeça. Minha primeira reação automática é tirar o blazer.

Mas, péra.
Não posso tirar!!
A blusa é de alcinha!
Meus braços!!!!
Lembra que falei lá em cima que tenho 50 anos?
Nãooooo!
Mas não dá.

Está começando a aparecer no meu rosto esta revolução térmica. Vou tirar o casaco. Dane-se o braço! Mas aí noto que aquela minha blusinha branca de palha de seda, tão delicada, não só está molhada, mas encharcada de suor e pateticamente grudada ao corpo. Desespero!

Escuto ao longe meu nome. Quando dou por conta, todos estão olhando para mim, aguardando minha resposta. Mas qual foi a pergunta? Olho desesperada para meu colega. Ele assume e responde. Ufaaa…

O presidente interrompe e pergunta se eu estou bem. Constrangedoooorrrrrrr. Abro um largo sorriso e continuo o assunto de onde meu colega parou. Porém, continuo pingando. De vulcão passei a me sentir uma cachoeira.

Cataratas!

Meu Cabelo molhou!
Ai meu Deus…
Meu cabelo ‘nãoooooo’!
10,9,8,7,6,5,4… Pufffff!
O pixaim! O pixaim!
Começando pela nuca.
Sabe aquele cabelinho danado de ruim que a gente tem perto da nuca?
Pois é…
O meu é especial! Ele encrespa e arma com um gigantismo assustador.

Ainda falando e tentando ser natural, discretamente enfiei a mão na minha bolsa em busca de uma piranha, grampo, fivela, durex, clips, fita isolante, arame farpado, qualquer coisa para prender o que já se podia chamar de juba naquele momento.
Obviamente minha concentração e foco já tinham ido pro Iguaçu. Não sabia o que estava acontecendo.

Bem, na verdade sabia sim. Tive meu primeiro fogacho. É esse o nome? PQP!! As fichas começam a cair na velocidade que as gotas escorriam pela minha testa. Olho em volta, para ver se alguém estava reparando. E ora veja, sim… todos estão! Saco!

As mocinhas, novinhas, com um sorrisinho no canto da boca. Até imagino o que estão pensando. “Aí tia… ficou nervosa?? Tá que nem minha mãe. Velha suando é dose!” Os homens da mesa fingem que não estão notando. Mas não conseguem parar de olhar para meu cabelo pingando, e minha base matte da Mac derretendoooooo… Matte… tá bom..

E pensam que são discretos! Os colegas, ambos homens, boquiabertos ao perceberem que, pela primeira vez, me viam insegura e titubeante. A coisa só piorava. Quanto mais tentava disfarçar, mais suava. Viscoso, ciclo vicioso dos infernos. Interminável show de horror.

Mas, na ponta da mesa, vejo uma mulher que não tinha notado ainda. Também pudera… Como notá-la? Ela tinha quase 60 anos! Sim, sim, sim, sim… sou péssima!! Mas, ao cruzar com seu olhar, vi imediatamente um sorriso de acolhimento. Um sorriso de entendimento e compreensão.

Uma generosidade que naquele momento acho que nem Madre Tereza seria capaz.

Ela pediu a palavra. E começou a comentar o projeto. Tirou os olhares de cima de mim. Deixei de ser o foco. Juro, não lembro uma única palavra que ela disse. Consegui respirar, me acalmar e, lentamente, voltei ao normal. Normal é maneira de dizer, né? Meus cabelos… ai, ai, ai… Recomposta, olhei com cumplicidade para minha mais nova amiga de infância, retomei a palavra serenamente.

Finda a reunião, vieram as congratulações e as despedidas. Não conseguia pensar em outra coisa que não fosse agradecer aquela santa. Mas não lembrava o nome dela.
Angela?
Não! Não, não era com A.
Mas era nome de música.
Gabriela?
Dindi??
Li-gi-aaaa…
Ufaaa…
Tom não me deixaria na mão!
– Lígia! Chamei com uma intimidade que só parceiras de infortúnio podem ter.

Ela olhou para mim, abriu um sorriso e veio em minha direção.
– Lígia – falei novamente com grande cumplicidade
– Antes de mais nada, obrigada! Não sei como retribuir sua gentileza durante a reunião!
– Ora, ora, não há de quê! Já estive em seu lugar.
– Mas, Lígia, ninguém me contou que seria assim.
– Não. Ninguém conta. E, pior, poucas de nós são solidárias. Nem nesta nossa fase da vida. Parece que não reparamos ou não queremos ver nas outras as mazelas que logo serão nossas.
– Lígia, querida, independente do projeto, vamos manter contato.
– Vamos sim. Será um prazer. Mas meu nome é Luiza!

E foi assim que senti meu primeiro fogacho.

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Eliane Cury Nahas

Economista, trabalha com tecnologia digital desde 2001. Descobriu o gosto pela escrita quando se viu Dominique. Na verdade Dominique obrigou Eliane a escrever. Hoje ela não sabe se a economista conseguirá ter minutos de sossego sem a contadora de histórias a atormentá-la.

23 Comentários
  1. Adorei! Já passei por muitos momentos desses! O pior são os olhares de ironia que rola aqui em casa. Rolavam, rolavam! Porque, Dominique, acredite em mim, isso passa! Enquanto esse dia mágico não acontecesse, o melhor é manter esse seu bom humor.

    1. Quando me dei conta estava lendo e estava presa aos textos. Sou bem mais velha, nos anos 50 ja tinha 11, mas estou encantada com
      o que li. Parabéns! Nasceste para escrever com certeza. E eu vou te acompanhar pela leitura. Um abraco

  2. E a cunhada que, muito gentil, coloca um VENTILADOR do lado do meu lugar a mesa, na reuniao de familia….Hoje nem me importo mais, levo um leque japones na bolsa !

  3. Além de não serem solidárias ainda exclamam, “nossa, não, eu ainda não estou “”nessa”” idade…
    “Nossa, vc não faz reposicao?”…
    “Credo, é menopausa precoce ?”
    Aí gente eu já escutei cada uma…

  4. Amei!Estou passando exatamente por isso.
    Ainda não encontrei essa tal de solidariedade e o nome fogacho só descobri semana passada kkk
    Abraços!!

  5. Sensacional!!! Gargalhei lendo seu texto porque me vi nesse cenário…. Parabéns, você conseguiu colocar muito bem o que é o estado dá menopausa e com muita bom humor. Beijos

  6. Imagino seu sofrimento nunca passei por um dilema desses mas os fogaçaos não me abandonan tenho 54 anos e tenho sofrido kkkkkkkk sua estória me desculpe mais deu graça

  7. Oi já vai fazer 5 anos que estou com esse fo cachos não tem remédio que cure e horrível não sei o que fazer e ainda tem hipotiroidismo tome hormônio se alguém encontrar algum remedio q cure me avise Abraço Obrigada.

  8. Simplesmente verdade tudo o que foi exposto. Discordo apenas de que não fui informada sobre esse cemitério,ironizando o climaterio, rs. Minha falecida mãe sofreu muito,falava sempre sobre essa famigerada fase, mas eu, jovem, pensava que fosse um certo exagero.
    Mas não é não! Pior fase que estou vivendo é essa. Situações como a do texto são rotineiras no meu dia a dia. Maquiagem fica borrada, cabelo que é muito liso, fica oleoso com o suor. Não faço reposição hormonal. Optei por produtos naturais. Nada adiantou.
    O que fica, são as sensações de forte calor, depois frio. Uma tristeza sem fim. Vontade de largar tudo e sumir do mapa. Solidão.
    Realmente, eu acho que nós mulheres poderíamos ter uma velhice menos conflituosa. Uma sacanagem com a gente.

  9. Tenho 59 anos e já passei por muitas situações desagradáveis, os fogachos aconteciam nos melhores momentos, nas reuniões com amigos, com a família na mesa, na faculdade da terceira idade, parece não ter fim. Faço reposição hormonal há 10 anos e só tenho trégua no inverno que diminuem um pouco mas no verão eu sofro. Não sei até quando vai durar e super entendo quem passa por isso. Força mulheres!

  10. Adorei. Sei bem o que é isso. Falavam que era só no início e depois diminuiria mas que nada. E com esse verão de 40 graus do Rio eu derreto. Cabelo só curtinho. Dizem que a amora faz bem. Realmente diminui. Mas ser mulher é sofrer no paraiso. Então quanto mais relex menos suor e o calorão diminui. Qto a solidariedade só tive de quem passou por essa situação. É tentar brincar e ir levando.

  11. É a vida, a vida das mulheres! Mas, é bonita é bonita e é bonita! Vamos em frente, voltando a usar lenço (de algodão) leques, ar condicionado no mais gelado
    e vento muito vento.

  12. Tenho 54 anos e no ano passado comecei a ter os temíveis calorões mais intensamente. Nao faco reposição hormonal e sempre achei que não ia passar por isso pois minha mãe me contava que não teve nenhum sintoma da menopausa. Durante o inverno é tranquilo mais já estou me preparando para o verão. Haja lenço e leque, não saio de casa sem…

  13. Baita texto! Amei, mas o que me assusta é a falta de cumplicidade entre as mulheres (mais jovens) e o que mais me surpreende é exatamente cumplicidade entre as Dominiques, Luisas, Ligias. Meninas, fiquem espertas, vcs chegarão lá e tomara que com nossa elegância e bom humor.

  14. Simplesmente tudo isso é muito mais !!! Amei o texto um misto de riso e choro uma verdade explícita !!!!!!

  15. Minha menopausa foi fabricada, esterectomia,aos 41 anos, não passei por muitos sintomas, mas tive uma depressão horrível e tbm não tinha ninguém para me ajudar, foi barra mas superei. O que eu não entendo é porque o maior inimigo de uma mulher na maioria das vezes é outra mulher

  16. Minha menopausa foi antecipada, quimioterapia e radioterapia aos 34 anos e aos 40 iniciou tudo; calores, falta de libido, engordei pra caramba, mas até hoje estou dando a volta por cima e vivendo bem, graças a Deus.

  17. Muito bom meninas, vcs e o texto da Dominique já preparam bem pra está fase e dão uma boa consolada geral!! Essas trocas são incríveis!!Valeu,bjs

  18. Sou uma felizarda.
    Ou uma exceção para confirmar a regra?
    Nunca senti nada no climatério.
    Nunca fiz reposição hormonal.
    Nem tive cólicas qdo menstruava.
    Estou agora com 86 anos.

  19. oi bom dia!passo por esta situação,percebi q era os sintomas da menopausa porquê,qualquer vento sentia frio,agora estou sempre suando, desanimada, não queria usar o chá da Folha de amora,porque emagrece mas vou tomar,se não der certo vou tentar a soja,q contém isoflavona estou sempre cansada,o pior pra mim é tomar alguma coisa q me faça perder peso,

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