Viúva aos 40 anos. Como recomeçar?

Dominique estava prestes a chegar a suas Bodas de Porcelana com apenas 40 anos de idade. Quem diria que já eram 20 anos de casamento e 3 filhos, duas meninas e um rapaz. Guilherme, seu primeiro e único namorado, estava com 45 anos. Casaram-se muito cedo mas não se arrependiam pois era uma união feliz, com mais altos do que baixos.

Com os filhos crescidos, a vida estava entrando numa gostosa velocidade de cruzeiro. Claro que Guilherme continuava trabalhando demais, talvez mais do que o necessário, entretanto esse era dele e jamais pararia.

Até o dia que parou.

Naquela manhã de abril de 1979, em que a TV narrava a revolução Iraniana, bem como a queda do Xá e a volta dos Aiatolás, Dominique ouviu um baque surdo vindo da garagem apesar do volume da TV.

Estava lá, ao lado do Opala, Guilherme caído no chão com as chaves de casa na mão.

Foi um infarte fulminante. Sem a menor chance para Guilherme.

Dominique não sabia e nem ao menos suspeitava quando acordou naquele dia, que as mulheres do Irã perderiam o que conheciam como vida. Assim como ela.

Passados o enterro, a missa, um mês, as pessoas se afastaram e as contas chegaram.

Dominique nunca tinha trabalhado tampouco se preocupado com o futuro com a certeza que Guilherme cuidaria de tudo. Não tinha ideia do que era preciso para manter uma casa com 3 filhos quase adultos, muito menos de onde tiraria isso.

Descobriu que Guilherme tinha um seguro de vida que daria conta da situação por uns 6 meses se ela controlasse as despesas direitinho, mas e depois? Como faria?

E foi naquela agonia que aquela jovem viúva passou o ano de 1979. Tentando saber como recomeçaria ,ou melhor, como continuaria sua vida e de seus filhos.

Não achou emprego porque não tinha formação ou experiência. Tentou trabalhar em uma loja como vendedora. Mas sempre fora compradora e acabou demorando para se adaptar ao novo papel. Pena que a dona da loja não teve a paciência necessária para sua curva de aprendizado.

E o ano ia acabando assim como o dinheiro do seguro.

Foi quando inesperadamente, como que se enviado pelos deuses, recebeu um telefonema de seu vizinho de chácara. Sim, tinham uma pequena chácara para lazer de final de semana mas não pisava lá desde quando o Xá Reza Pahlevi e sua Farha Diba saíram do Irã rumo ao exílio naquele longínquo janeiro de 79. Parecia que décadas tinham se passado, porém eram só 10 meses, 10 meses que a separavam daquele alegre fim de semana de janeiro na piscina com os filhos, sobrinhos, irmãos e com Guilherme.

Bem, seu vizinho, o Sr. Lázaro estava ao telefone fazendo uma proposta para a compra de sua chácara. Dominique não negociou. Não sabia se era bom ou ruim o valor. Sabia apenas que não teria como pagar a conta daquele mesmo telefone em que falava no mês seguinte.

Fechou negócio naquele momento. Anos mais tarde descobriria, por acaso, o significado do nome Lázaro: Socorro de Deus.

Bem, Dominique agora tinha que fazer esse dinheiro sustentar sua família. Mas como?

Separou uma parte pequena e começou a procurar um imóvel comercial em São Paulo. Perguntou, fuçou, rodou e acabou comprando uma loja no centro da cidade. Alugou rapidamente e assim garantiu uma modestíssima renda mensal. Isso já era alguma coisa.

Todos ficaram surpresos quando tempos depois Dominique resolveu vender a casa confortável em que moravam em Alto de Pinheiros inesperadamente. A família próxima chegou a aventar a possibilidade dela estar passando necessidades.

Não estava. Ela sabia o que estava fazendo. Mudou-se com os 3 filhos para um apartamento super pequenininho e com o que sobrou do dinheiro, comprou outro imóvel.

E assim foi a vida de Dominique pelos 10 anos que se seguiram a morte de seu marido.

Trabalhou dia e noite. Aprendeu muito. Quebrou a cara algumas vezes mas não se abateu, até porque não podia parar. No final das contas, mais ganhou do que perdeu. Era uma mulher com tino comercial, quem diria! Tanto que em 1989, depois de finalmente conquistar uma certa segurança financeira, deu-se ao luxo de pensar até quem sabe namorar. Não estava nem com 50 anos ainda. Imagine, ficou viúva com 40.

Muitos perguntavam por que ela não tinha refeito sua vida amorosa. Dominique respondia:

– Quando se dorme sem saber com que dinheiro será comprado o almoço dos filhos, a última preocupação e arrumar um namorado.

Bem, foi naquele novembro de 1989 tomando uma caipirinha com uma amiga no Bar Supremo, que Mateus puxou papo, comentando a queda do Muro de Berlim e suas implicações.

Dominique não imaginava que assim como as Alemanhas, ela também estava começando uma nova história aquele dia. Uma história de união e prosperidade sem deixar que o passado fosses esquecido, porém sem deixar que ele tomasse conta do presente.

Aliás, sabe o que quer dizer Mateus? “O Presente de Deus”.

Leia também : Nossas Noites

Eliane Cury Nahas

Economista, trabalha com tecnologia digital desde 2001. Descobriu o gosto pela escrita quando se viu Dominique. Na verdade Dominique obrigou Eliane a escrever. Hoje ela não sabe se a economista conseguirá ter minutos de sossego sem a contadora de histórias a atormentá-la.

3 Comentários
  1. Essa é uma história real ou ficticia
    De todo modo, serviu-me de esperança, me vejo na mesma situação, porém sem filhos.

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