Por: Cibele Hatoum
Em 19 de setembro a minha tia Margarida fez 93 anos. Fui dar um beijinho nela, como sempre, ver meus primos e a Neia (que trabalha lá tem décadas e diria que é a sua filha número três). Fui tomar aquele cafezinho, que eu nunca dispenso, como também o papo bom que ele provoca.
Olhando minha tia ali, sorridente, serena, feliz, indo e vindo em seus lapsos de memória, nos comentários que nos remetem a um passado tão gostoso ou nos fazem rir pela inocência que só o tempo devolve, eu pensei:
– Uau! Tá passando rápido demais!
Tia Margarida foi (e ainda é) uma das mulheres mais bonitas que eu já conheci. Figura imponente, classuda, vaidosa, sempre impecável com seus cabelos, unhas, maquiagem e perfume.
Ela, como minha mãe e as outras tias, era de uma geração em que o cuidado pessoal era automático, até o seu chinelinho de ficar em casa tinha um saltinho! Mas isso não a fazia frágil, tampouco fútil. De maneira alguma.
Viúva muito cedo, com dois filhos pequenos pra criar, a mulher que nasceu na década de 1920 e foi criada pra ser esposa foi muito mais que isso. Em um tempo que isso era bem incomum, tia Margarida e tia Minerva fizeram faculdade. Mulheres maduras, no final dos anos 70, não tinham essa pegada. Mas elas iam. Juntas!
Orgulhosas e com um queixo tão empinado que muitos despreparados poderiam confundir com “metideza”, essa forma que encontraram de enfrentar o preconceito e a estranheza, era como encaravam a timidez em meio a tantos jovens numa cidadezinha na época com pouco mais de 20 mil habitantes… Elas “invadiam a praia” da moçada.
Estudaram, se formaram e se aposentaram como professoras de desenho. Elas eram fortes demais. Todas elas, cada uma a sua maneira. Mas hoje dedico minha lembrança a ela. A tia Margarida. A que cultivou com minha mãe a amizade mais sólida e cúmplice que já vi em uma existência inteira.
A que enfrentou suas limitações e sem se dar conta, se fortaleceu através das dificuldades, e principalmente, da sua suposta fragilidade.
Hoje, ela encanta com a doçura e a meiguice despretensiosa que a idade traz, talvez características da doença, mas isso pouco importa porque ela só quer dias assim: simples e felizes. Agradecendo o carinho. Agradecendo o amor. Ela agradece o tempo todo. Quando dá umas “fugidinhas” da realidade a gente busca ela novamente e ela canta!
Surpreende por lembrar fielmente as musiquinhas infantis em árabe que eu já havia esquecido, canta hinos de anjos (que a Neia ensinou pra ela), e sorri, feliz da vida!
Envelhecer pode ser assim: leve!
Quando a gente abandona o peso das expectativas. Quando a gente não se cobra nada e se dá o direito de dizer o que pensa, resgatando uma liberdade que a infância levou, contando com a tolerância de todos porque, afinal de contas, a idade impõe esse respeito. É uma conquista do tempo não perdê-lo com o que não vale a pena.
Envelhecer pode ser muito bom.
E eu fico muito feliz em vê-la assim.
Que venham mais dias como esse….. e muitos aniversários tia querida.
Para que continue cantando e encantando a todos nós.
Cibele Hatoum é jornalista.