Você sabia que a tal da estória não existe?
Verdade, menina!!
O que existe é única e tão somente história*.
Sabe o que isso quer dizer?
Que tudo o que acontece conosco é pra valer.
É de verdade.
É pra sempre.
Outro dia, uma amiga muito querida disse que invejava a quantidade de coisas que eu tinha para contar.
Que minha vida era muito cheia de acontecimentos.
E que ela não teria nada para falar, muito menos para escrever.
Retruquei.
– Todos temos muitas histórias. Muitas histórias importantes, interessantes. E sempre dignas de serem contadas. E todas, sim, com H.
Ela prometeu que tentaria lembrar de algo interessante para me contar.
– Ok… Vou esperar.
Corta.
Fecha o plano.
Fecha o olho…
Te convido para voltar no tempo comigo.
1990.
Eu – com minhas argolas enoooormes, meu jeans de cintura altíssima, cabelos cheios e ondulados com aquela indefectível tiarinha – assistindo e me divertindo muito com a novela Que Rei Sou Eu. Feliz da vida que meu nenê ja estava finalmente dormindo e eu teria aquele tempinho só pra mim antes de o maridão chegar.
Estava sentada no chão para não sujar o sofá, meio esgotada, meio hipnotizada, quando toca o telefone.
Fixo, é claro.
1990, pessoal!! Só fixos e orelhões…
Era minha vizinha querida, que tanto me ajudou naqueles meus primeiros anos de mãe e de esposa.
O primeiro banho do pequeno, pedi que ela ficasse ao lado da banheirinha.
Just in case!
Vai que eu deixasse o nenê escorregar, né? Ela estaria lá para salvar!
Ela, mãe experiente de 3 filhos adolescentes.
Sempre que tinha um tempo, descia para um café.
Sempre que podia, descia para um dedo de prosa.
Naquela fase em que você não sai de casa, sabe?
Um bálsamo.
Amiga deliciosa.
No meu primeiro dia naquele apartamento, ela desceu para me conhecer e disse:
– Vizinha, saiba que o parente mais próximo é sempre um vizinho.
Na verdade, aquilo foi uma profecia.
Por muitos anos, nós nos complementamos como se um apartamento fosse a extensão do outro, apesar de serem em andares diferentes.
Nós nos socorremos mutuamente.
Nós nos consolamos.
Nós nos divertimos.
Mas voltando novamente ao toque do telefone – que era fixo…
Minha amiga. Minha querida amiga. Minha referência para tantas coisas, com a voz embargada me conta uma rápida história.
Escuto muda.
Continuo escutando em silêncio, enquanto lágrimas correm pelo meu rosto sem que eu tenha nenhum controle.
Desligo.
Em alguns minutos, tento pensar no que posso fazer para ajudá-la.
Preciso fazer. Preciso agir para não deixar a dor me imobilizar.
Deixo o nenê em segurança com o meu marido que acaba de chegar e saio correndo em busca de um supermercado aberto.
Compro, compro, compro.
Passo na casa da minha mãe, pego e entulho meu carro com tudo o que coube.
Volto, pego o que falta das coisas das crianças e subo.
Tento arrumar o que é impossível de ser arrumado.
Tento esperar sem saber ao certo o que fazer.
Minha amiga entra depois de um tempo, sabe-se lá se minutos ou horas.
Ela entra com um triste, mas acolhedor sorriso no rosto.
Entra carregando um pacotinho em seus braços.
O pacotinho não me parecia pesado.
Ela o carregava com muita delicadeza, mas com muita destreza.
E com o maior carinho e ternura que já vi.
Era seu sobrinho, quase recém-nascido.
Um mês ainda incompleto.
Em um trágico acidente, Ricardo tinha sobrevivido, ileso. Seu irmão de 5 anos também.
Seu pai, muito machucado, estava no hospital e se recuperaria bem em alguns meses.
Já sua mãe. Não consigo achar palavras para escrever. Espero que você tenha entendido o que aconteceu.
Vi minha amiga e seus filhos acolherem um recém-nascido.
Vi minha amiga reaprender a trocar fraldas.
Vi minha amiga reaprendendo a cuidar de bebê.
Vi Regina criar Ricardo.
Vi muito, mas muito amor, nesta história
E juro, cada vez que escuto Ricardo chamando Regina de mãe, me arrepio até o último fio de cabelo.
Hoje, Ricardo é um homem lindo, engenheiro, e que já já vai levar mais netinhos para minha amiga cuidar e amar.
Bom Regina, estou esperando você me contar aquelas histórias que você não tem, lembra?
*A palavra mais correta e socialmente aceita é história. A palavra estória aparece em dicionários e no vocabulário ortográfico da Academia Brasileira de Letras, mas não é unanimemente aceita, sendo o seu uso condenado por muitos, por se considerar uma “invenção” brasileira e sem necessidade de existir.
Não sei. Acho que ninguém sabe. Só sei que pesquisei na internet, e há vários sites dizendo que é uma falsa atribuição a José Saramago. Esse poema é de autoria desconhecida. Mas isso é uma coisa muito comum na internet, ou seja, textos e frases atribuídos erroneamente a certos autores. Uma vez eu vi uma frase célebre, que eu não me lembro mais qual é, cuja autoria atribuíam a quatro pessoas diferentes. Resultado: eu repasso dizendo, no final, ‘autor desconhecido’. Outra coisa que eu vejo também é má tradução. Eu já peguei, pelo menos, umas cinco frases célebres mal traduzidas, cujos sentidos não ficaram claros. Mas as pessoas vão passando mesmo assim. Também já peguei várias frases feitas atribuídas a certos autores, mas que, na verdade, não foram ditas pelos autores, ou seja, a pessoa criou uma frase baseando-se nas ideias do autor. Porém, a frase nunca foi dita ou escrita pelo autor.
Ronaldo,
Este é o dilema da Internet, um dos, sem falar nas Fake News que geram um estrago danado, concorda? Obrigada pela orientação.
Essa poesia não é de José Saramago. Já está provado.
Ronaldo,
Você sabe de quem é?