E vamos para mais um dia 31. 31 de dezembro. Engraçado como de repente os últimos dias não tem mais aquela conotação “trágica” de final que já tiveram. Nem tampouco trazem a renovação. Pelo menos não para mim.
Dia 31 hoje, é apenas o dia que estou na praia, com algumas pessoas muito queridas, amigas de outras vidas. É o dia também que sento para escrever o texto sobre a música que representará o ano em minha trilha sonora.
Pode parecer estranho eu ter uma trilha sonora, né? Gosto de pensar que posso contar minha vida através de músicas. Claro que nem todos entenderão. Mas basta que um entenda.
Geralmente a música do ano, “aparece” lá por novembro. E não deixa de ser meio óbvio que isso aconteça, pois é quando começo a amarrar o ano e inconscientemente minhas reflexões voltam-se para as conclusões e esbarram nas músicas.
Um ano ímpar este 2018, hein?
E foi em junho que apareceu a primeira música de minha trilha deste ano.
É colega… Este ano foi diferente dos outros. Tenho três músicas para compor minha trilha. Uma só musica não definiria meu ano.
Não… Não foi um ano difícil. Ahh… foi sim. Mas não foi difícil como os outros que já tive. Foi um difícil diferente. E aí escuto a grave voz já madura de Dori Caymmi cantando o Bloco do Eu Sozinho
E comecei a chorar. Chorei porque entendi. E fui adiante. E comecei a sambar. Sambando pra não chorar. Música linda. Linda e triste. Linda e cheia de motivações.
Vale contar aqui, apenas para registro, que o país inteiro viveu momentos muito emocionais com uma certa sensação de abandono. Cada um por si.
Bem… semanas se passaram… meses…
Pensei em construir um “palácio”. Pensei em desistir.
Contentei-me com uma “choupana”.
E eu na minha luta diária para não desistir, para continuar porque um dia algo iria mudar.
Afinidades explícitas
E foi aí que apareceu a segunda música. Meio que sem querer. Ou totalmente. Não foi bem uma música. Foi toda uma obra.
Economista, trabalha com tecnologia digital desde 2001. Descobriu o gosto pela escrita quando se viu Dominique. Na verdade Dominique obrigou Eliane a escrever. Hoje ela não sabe se a economista conseguirá ter minutos de sossego sem a contadora de histórias a atormentá-la.
Como disse no primeiro texto sobre as histórias da praia, uma das melhores coisas da minha praia são os papos, os causos, as histórias. Lembra que falei no segundo texto da Marianne que andava de manhã cedinho roubando minha exclusividade?
Bom, fato é que nos tornamos boas amigas de temporada, quer dizer, só nos encontramos lá. E só batemos papos daqueles de lavar a alma de vez em quando.
E foi isso que aconteceu semana passada.
Nos encontramos no fim da tarde para um daqueles famosos cafezinhos.
Papo vai, papo vem, disse que nunca mais a tinha visto com sua câmera fotográfica. Companheira inseparável.
Ela falou que tinha dado um tempo. Não sabia bem porque. Mas tinha aposentado dentro de uma gaveta. Máquina, lentes e parafernálias.
– Sabe? O digital facilitou muito, mas me fez perder o tesão. Esse negócio de poder tirar muitas fotos para poder escolher a melhor tirou a beleza das fotos na minha opinião.
– Mas porque Marianne? É uma enorme facilidade.
– Porque o custo da revelação impedia que tirássemos esse monte de fotos. Quando fotografamos, o que importa é a primeira, é o nosso olhar naquele momento, é o que capturamos, é o que aquilo nos fez sentir. Aí vem o momento da revelação, sendo que na maioria das vezes já tinha até esquecido de algumas fotos. E aparece a delícia de descobrir aquele registro. Bem, posso ser anacrônica ou saudosista, mas acho que não tem mais a mesma graça.
E aí ela começou a contar como foi o processo dela de descoberta pela paixão pela fotografia.
Por volta dos 50 anos, (affff sempre por aí, né Dominiques?) ela quis fazer algo que fosse só dela, só para ela e que a libertasse um pouco dos papéis de mãe filha, esposa, profissional. Estava se sentindo oprimida nessa casca.
Ahhh Mariane, como eu te entendo.
A história de seu desenvolvimento como fotógrafa, eu vou pedir para ela contar pessoalmente.
Foi fazer cursos com feras. Cursos que precisava ser aceita. Mas como assim? Nunca fotografei. Como farei um teste? Well, ela foi aceita, porque sempre teve e sempre terá o espírito do artista. O olhar diferenciado.
E assim passaram-se anos fotografando e estudando.
Até que surgiu a dúvida. Mas o que é que eu fotografo?
Para que eu fotografo?
Sou mais uma fotógrafa de por do sol de Insta?
E resolveu realizar um antigo sonho. Conhecer e fotografar o Rio São Francisco.
Mas precisava fazer isso sozinha.
Precisava deste tempo. Precisava deste encontro com ela mesma.
Fez seu roteiro.
Colega, sério, eu jamais teria encarado essa viagem. Roots demais para meu estilo.
Mas Marianne, na época com 54 anos, partiu decidida de avião até Aracajú. De Aracajú, 5 horas de ônibus até Penedo. E de Penedo mais 6 horas de ônibus até Piranhas.
Você já ouviu falar de Piranhas? Pois é eu nuuuunca tinha ouvido falar.
Mas a descrição de Ma foi de dar água na boca.
Uma cidade muito organizada, com casinhas coloridas, ruas de paralelepípedos, às margens do Velho Chico, mas ainda cheia de grutas e com histórias riquíssimas sobre o cangaço, afinal lá foi feita a emboscada final para maria Bonita e lampião. N-U-N-C-A poderia imaginar. Afff! Quanta ignorância!
Mas voltando. Ma hospedou-se numa pousada, simples e acolhedora. Estamos falando de 2005. Muita coisa deve ter mudado de lá pra cá.
Mas lá vai ela fotografar e procurar sua essência.
Até que numa certa sexta-feira, Marianne começa a passar mal. Tontura, dor de cabeça, vómitos e febre.
– Ah! Já já passa. Vou ficar quietinha no quarto hoje.
Aí começa a diarreia. Na madrugada de sexta para sábado percebe que a coisa só piora.
Que está sozinha, no meio de lugar desconhecido sem conhecidos.
O que adiantava ligar para família naquela altura? 4 horas de avião mais 11 horas de estrada?
Arrastou-se até a entrada da pousada, chamou a dona, que muito solicita, a levou ao hospital da cidade.
Para uma paulistana, chamar aquilo de hospital não parecia apropriado. Pela falta de equipamentos e tamanho, mais lhe parecia um posto de saúde.
Foi quando apareceu um médico.
Não. Ele não estava de branco. Não, ele não tinha cara de experiente.
Mas ela estava desmaiada. Oscilava momentos de lucidez com apagões totais.
Soro na veia e internação.
Internação??? Sozinha?
Não tinha jeito. Na verdade, quase agradeceu ter alguém, para cuidar dela.
Mas não deixava de estar com medo.
O médico acalmou-lhe. Disse que tudo ficaria bem. E falou que faria uma acupuntura nela.
Sua primeira reação?? Não! Acupuntura não? E as agulhas?
O médico sorriu complacente e pediu mais uma vez que ela não se preocupasse. Apenas que descansasse.
Bem, Marianne não tinha o que fazer. Estava entregue. Nas mãos daquele Doutor. Já tinha sido indelicada o suficiente. E tinha que acreditar nele.
E assim passou o sábado. Entre soros e agulhas. Entre pequenos apagões. Acordada se sentia num sonho. coisa estranha.
Mas passou. E veio o domingo. Que continuaria internada se recuperando. Embora já sentisse melhor. Bem melhor. Já tinha até fome!
Conseguiu sentar na cama e ver que estava numa enfermaria com outros dois pacientes. Tudo muito simples, mas muito limpo e organizado.
Ainda se sentia fraca demais. Mas já conseguia pensar. Bateu-lhe uma enorme tristeza.
Pela primeira vez sentiu-se sozinha e repensando se aquela tinha sido uma boa decisão mesmo.
Será que não tinha a capacidade de viver aquela experiência?
Quanto mais pensava, mais triste ficava.
Mas de repente, entra uma pessoa no quarto. Um estranho. Um senhor.
Cumprimenta-a. Pergunta se ela precisa de algo. Segura em sua mão. Vai buscar sua refeição na copa. Não… Não era ninguém do hospital.
Ele sai e chega uma senhora, trazendo uma santinha para presentear-lhe. Senta na beira da cama. Olha em seus olhos. Passa mão em seus cabelos. Oferece-se para ligar para família. Pergunta seu nome. E foi assim todo o domingo.
Ela viu que não era só com ela, mas também com os dois outros pacientes.
Na verdade, aquelas pessoas tiravam o domingo para consolar, ajudar, conversar, fazer companhia aos doentes e principalmente estranhos. Sabiam que eram pessoas que estavam precisando de conforto. E que uma palavra e um carinho poderiam fazer a diferença.
Neste momento, Ma começa a chorar e disse que nunca mais foi a mesma. A certeza de que precisamos de muito, muito pouco, para viver. Que existem sim pessoas que fazem o bem pelo bem.
Acredito. Acredito nela. Porque a Nanny é tudo isso.
Economista, trabalha com tecnologia digital desde 2001. Descobriu o gosto pela escrita quando se viu Dominique. Na verdade Dominique obrigou Eliane a escrever. Hoje ela não sabe se a economista conseguirá ter minutos de sossego sem a contadora de histórias a atormentá-la.
Show!!! Bela homenagem a 2018
Bjs