Nessa quarentena a que todos deveriam estar obedecendo, nada melhor do que um filminho ou uma boa série. Por isso, preparei para você Dominique que é leitora e apreciadora da Sétima Arte, uma relação de filmes e séries já indicados e comentados.
Você poderá ler a resenha e ver o trailer, caso não se lembre, ou que não tenha visto ainda. Difícil essa minha escolha porque muitos bons filmes já saíram do catálogo Netflix.
Tomara você encontre boas opções para escolher seus preferidos e que seja um bom entretenimento nesses dias de confinamento social.
Relação de filmes e séries que já comentei e que continuam passando no Netflix. Divirta-se!
O cineasta irlandês Terry George começou a carreira escrevendo roteiros. Por trás das câmeras, o diretor se especializou em filmes históricos com forte veia crítica e violentas cenas de ação.
Estrelado por Oscar Isaac, Ana Khesarian e Christian Bale, A Promessa narra os enlaces passionais de um triângulo amoroso durante o massacre que dizimou 1.5 milhão de armênios, em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial. O genocídio, promovido pelos turcos, encontra paralelo trágico na história da carnificina promovida pelo Nazismo na Segunda Guerra.
O filme começa num vilarejo armênio no sul da Turquia, com o botânico Mikael Boghosian (Oscar Isaac) preso a uma promessa de casamento, mas parte de sua pequena vila interiorana para a cosmopolita Constantinopla, para aprofundar seu conhecimento em uma escola de medicina. Mas os ares da modernidade boêmia e o convite ao prazer da grande metrópole (hoje Istambul) irão levar este apaixonado estudante de medicina para os braços da bela jovem Ana (Charlotte Le Bon), recém-chegada de Paris.
Mikael passa a ver o mundo através dos olhos vividos de Ana e um fotojornalista Chris Myers (Christian Bale). A inevitável sedução que se segue forma um triângulo amoroso às portas da Primeira Guerra Mundial quando ninguém imaginaria os horrores que se seguiriam.
Conflito histórico
Bem amarrada, a trama desse trio de amantes conduzidos pelos dramas desse denso conflito político, questões morais e éticas, rasteiras do destino e boa dose de atração, traição e mentiras sinceras.
Cada um dos atores de maneira distinta desempenha um ótimo papel traçando a personalidade das respectivas composições. Eles são fundamentais para ajudar o público a se importar com aqueles personagens e a sentir um pouco daquela dor e um pouco daquela paixão.
A bela fotografia dá os tons que encaixam perfeitamente no sentimento que se quer passar, ao mesmo tempo em que belos enquadramentos em diversos ambientes mostram uma preocupação em retratar de diversas maneiras o que quer ser contado. O destaque é o visual dessa Turquia do início do século XX que é deslumbrante.
No todo, o saldo é bem positivo.
A Promessa tem potencial para agradar fãs de história, romance e drama.
O desfecho desse turbilhão de paixão, de sentimentos em meio aos horrores é exemplar.
Eu adorei!
Realmente um programão para o fim de semana em sua casa, no Netflix.
O diretor Todd Phillips exibiu Coringa pela primeira vez durante o Festival de Veneza 2019, onde a reação imediata do público foi de oito minutos de palmas. A aclamação foi confirmada dias depois quando o longa levou o prêmio máximo do evento, o Leão de Ouro. Porém, nem todos os críticos viram com bons olhos a nova história do icônico vilão do Batman, pelo retrato brutal da violência psicológica e social de seu protagonista.
O famoso vilão ganha pelas mãos do diretor um profundo estudo da personalidade, investigando os acontecimentos que transformam um sujeito menosprezado pela sociedade em um anarquista insano e perigoso.
Coringa não é uma figura insana sem propósito. Ele é uma criação do colapso da sociedade contemporânea, em meio à ruptura de princípios éticos e morais.
Como alguém nascido em uma terra sem lei – a Gotham City de 1980 – ele surge como um mal necessário, o mártir de uma cidade cujas e sistemas não funcionam mais e são críveis.
Coringa é fruto de uma tristeza inimaginável na alma de um homem.
Como uma figura nascida sem lar e trazida para um seio familiar doentio, ele é o reflexo de uma vida de alienação materna, abusos e abandono. Acostumado a isso, o personagem – até então um homem consciente de sua complexidade mental e plenamente medicado a fim de controlá-la – constrói uma fortaleza de isolamento ao seu redor.
Interpretado magistralmente por Joaquim Phoenix, Coringa repensa a origem do super vilão – com a devida liberdade artística em relação às HQs, através da história de Arthur Fleck. Quase cadavérico de tão magro, com 23 quilos a menos, ele encarna Batman em sua versão mais crua: um comediante frustrado de Gotham que coleciona humilhações e traumas, ri de maneira descontrolada, se contorce em uma assustadora dança da solidão e “acorda” como uma espécie de líder anárquico de uma sociedade doente.
Impactados por sua sofrida trajetória, nos compadecemos de Fleck, que se transforma em uma visão da própria sociedade mundial, se tornando um fragmento de tantas histórias reais.
Talvez seja excessivo acusar Coringa de incitar a violência. Como arte, porém, o filme só parece funcionar como sintoma simplista e ressentido dos problemas sociais que tanto quer ilustrar: a postura indiferente das autoridades às classes mais necessitadas, o abandono, a exclusão e a solidão na grande metrópole, traumas familiares entre outras mazelas.
Com uma trilha sonora adaptada que resgata clássicas canções de musicais dos anos 30 e 40, Toddy Phillips faz dela o guia das emoções e das sensações de Coringa, usando a música como maestro para conduzir o nível de intensidade da narrativa.
Rainha de Copas, drama dinamarquês, impressiona pela ousadia do roteiro, excelentes atuações e direção refinada. Ambientada na Dinamarca, a história é contada do início ao fim pela perspectiva de Anne (Trine Dyrholm), uma advogada bem-sucedida, empenhada em defender menores de idade vítimas de abuso e violência doméstica.
Aparentando ter uma vida invejável, a renomada jurista divide seu tempo entre o trabalho e a criação de suas filhas gêmeas, fruto de seu atual casamento com o médico workaholic Peter (Magnus Krepper). O filho rebelde de seu marido, Gustav (Gustav Lindh), é enviado pela mãe para morar com eles, após ser expulso de um colégio interno na Suécia.
Anne, sentindo-se atraída pelo rapaz, vai ganhando aos poucos sua confiança até que finalmente o seduz, culminando em um caso extraconjugal que irá por em risco tudo o que já conquistou.
Um dos grandes méritos de Rainha de Copas é a criação de toda a ambigüidade da relação extraconjugal, uma vez que a protagonista trabalha como advogada de vítimas frágeis e jovens.
As figuras masculinas centrais – esposo e sócio – abertamente pedem apenas que Anne concorde com eles, e nos diálogos ela expõe sua personalidade inflexível quanto à fragilidade e insegurança dos homens que a rodeiam. Com a chegada de Gustav, Anne pode, enfim, extravasar seus desejos e frustrações assumindo a posição de dominante na relação.
Controle e Transgressão
Enquanto isso, no controle das emoções aqui expostas, está essa mulher, tão fácil de amar quanto de odiar, tão passível de entendimento quanto de desprezo, tão igual a tantos do lado da tela, mas tão reprovável em um comportamento proibitivo e, ainda assim, assumidamente humano.
É ao mesmo tempo, repugnante e fascinante, causando um conflito moral na mente de quem assiste. Inegavelmente o que está acontecendo é errado, mas há de fato, seqüências bonitas entre os dois, como a que brincam no lago, belissimamente filmada e iluminada.
Outro aspecto que chama a atenção é a presença de uma marcante trilha sonora, trazendo urgência e antecipação de forma crescente para a história, quase transformando o filme em suspense.
Muito disso está também nas mãos de sua protagonista, a atriz premiadíssima, Trine Dyrholm em pleno domínio do jogo que lhe é oferecido, em poderosa atuação. A atriz em mesma cena consegue mostrar força e dominância na sua voz, enquanto seus olhos mostram fragilidade e medo.
Filme duro, mas irresistível
Diferente das atrizes de Hollywood, a dinamarquesa aceita a sua pele e, com o rosto marcado, até demais pela sua idade, encaixa-se perfeitamente dentro de seu papel. O sueco Gustav Lindh, como enteado, permeia perfeitamente entre o orgulho e instabilidade emocional, características conflitantes e normais para um jovem.
Magnus Krepper, o homem que se esforça do início ao fim para fazer a coisa certa, sem conseguir sequer chegar perto disso, são as outras pontas de um vértice tão sofrido quanto arrebatador.
May El-Toukhy faz de Rainha de Copas um filme duro, mas absolutamente irresistível. Intrigante de partida, envolvente no desenrolar, se confirma hipnotizante em sua conclusão.
Com uma narrativa fortíssima, com uma temática moralmente polêmica, a dinamarquesa nos apresenta um filme cuja trajetória angustiante nos faz mergulhar no enredo e mostra uma série de contradições que podem atormentar e rever condutas e valores. Uma sensível obra sobre poder, amadurecimento e sexualidade.
O longa é um convite para refletirmos nossas fraquezas, hipocrisias e nossa disposição em acessar nosso lado mais obscuro em benefício próprio.
Excelente!
Com certeza vale uma ida ao cinema para conferir esse filmaço.
Mil Vezes Boa Noite, dirigido pelo norueguês Erik Poppe, aqui realiza seu trabalho mais reconhecido. O longa foi premiado no Amanda Awards (o Oscar da Noruega) nas categorias de Melhor Filme, Fotografia e Trilha Sonora – e indicado ainda nas categorias Melhor Atriz (Juliette Binoche), Atriz Coadjuvante (Lauryn Canny), Direção e Montagem. Mil Vezes Boa Noite começa causando impacto e capturando de imediato o espectador.
Binoche é uma atriz acima de qualquer suspeita. Dona de performances não menos do que espetaculares, chama atenção em projetos considerados mais difíceis, como Camille Claudel, O Paciente Inglês, Cópia Fiel, entre muitos outros. Juliette Binoche é a melhor razão para se assistir Mil Vezes Boa Noite.
A trama narra a trajetória de Rebecca (Binoche), uma das melhores fotógrafas de guerra em atividade e precisa enfrentar um turbilhão de emoções quando seu marido (Nikolay Coster-Waldau) lhe dá um ultimato. Ele e a filha mais velha do casal não suportam mais sua rotina arriscada e exigem mudanças, mas ela apesar de amar a família, tem verdadeira paixão pela profissão.
As cenas de guerra são bem construídas pelo realizador.
Os primeiros quinze minutos deste drama são espetaculares. Mas a discussão da trama é outra: é sobre as mulheres que escolhem entre carreira e a maternidade, mesmo que os filhos já estejam grandes.
Mil Vezes Boa Noite – um filme sobre amor e dedicação incondicionais à profissão de alto risco em paralelo à preocupação familiar racional.
Depois de muitos contrastes entre cenas devastadoras e doces, chega um momento em que a protagonista se vê sem saída e tem sua inteligência emocional colocada à prova. Ela precisa “escolher” entre diferentes amores: o das crianças que precisam dela para (sobre) viver e o de suas crianças. Diante de tal agonia, parece que a força mostrada em cenários caóticos, é reduzida consideravelmente.
O não companheirismo do marido tem grande peso, talvez seja o maior, culminando no deslocamento de Rebecca, que, a princípio, tenta se adequar à rotina ideal de sua família, privilegiada por uma estrutura sólida.
Mil Vezes Boa Noite envereda em tempo integral pelos relacionamentos interpessoais, tendo duas “explosões” emocionantes como ápices do enredo.
Durante o acompanhamento de sua evolução, nos damos conta que estamos diante de conflitos ordinários e extremamente atuais, por mais que a profissão da protagonista soe como “inusitada”: qual é o lugar da mulher em uma sociedade que valoriza acima de tudo a família? O egoísmo e os extremos guiam a sociedade para o caos familiar e cultural?
Aqui fica minha sugestão para quem gosta de um drama intenso e perfeito para suscitar reflexões.